segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

“Acompanhar o tempo presente exige atualização”

Entrevista - Dom Jaime Vieira Rocha
Arcebispo metropolitano de Natal

repórter: Isabela Santos

A Arquidiocese de Natal acaba de lançar uma edição comemorativa do Catecismo da Igreja Católica, em virtude do encerramento do Ano da Fé 2012-2013. O livro é volumoso. Em nada se parece com a cartilha que se estuda quando criança para a Primeira Comunhão. É um instrumento de formação permanente para os fiéis e apresenta toda a doutrina da palavra cristã. Vinte e cinco mil exemplares foram postos à venda por R$ 20,00. O conteúdo é milenar, mas traz uma abordagem contemporânea, como quem o editou. Há pouco mais de um mês de completar 40 anos de sacerdócio, o arcebispo metropolitano de Natal, Dom Jaime Vieira Rocha, falou à TRIBUNA DO NORTE sobre a nova campanha do Catecismo e sobre temas como família, caridade, corrupção, posicionamentos do papa Francisco e renovação da Igreja. “Acompanhar o tempo presente exige atualização. E o Catecismo é um elemento fundamental para que os fiéis conheçam melhor a Igreja, a doutrina católica e a Teologia”, disse. Eis a entrevista: 

Emanuel AmaralDom Jaime Vieira Rocha - Arcebispo metropolitano de Natal

Qual a importância do Catecismo para o cristão católico?
O catecismo da Igreja Católica foi promulgado pelo papa João Paulo II 20 anos depois do Concílio Vaticano II. E se constitui portanto como um instrumento de vivência da fé católica de acordo com as diretrizes, com as conclusões do Concílio Vaticano II. É um catecismo bastante rico, denso. Não se trata de um livrinho de bolso com as orações iniciais da vida cristã, como algumas pessoas podem pensar. É um compêndio com toda a doutrina católica, com todas as verdades da fé, da Igreja e enfim em relação ao homem, a Jesus Cristo e à Igreja. 

Houve um distanciamento dos fiéis com relação ao Catecismo?
Não em relação ao Catecismo. Somos católicos de massa. Todo mundo nasce católico em uma família católica, mas não tem a instrução, não tem a formação. E hoje nós vivemos em um mundo pluralista, também do ponto de vista religioso. São muitas as manifestações religiosas e também igrejas. Todo mundo fala na televisão e diz o que pensa, o que acha e o que quer sobre fé, doutrina e igreja. Cada uma tem seus caminhos e seus hábitos. Há muita contradição entre práticas religiosas e é preciso que o povo de Deus, pelo menos, nós católicos, possamos ter a oportunidade de conhecer melhor a nossa igreja, para não ficarmos como em tempos passados, quando a missa ainda era em latim. As pessoas diziam “eu fui para a missa e voltei na missa” porque não entenderam nada. O povo tem um desejo imenso dessa formação. 

O que mudou em relação a essa época da missa em latim? Há adequações às mudanças de comportamento da sociedade de hoje? 
Os princípios, os dogmas da Igreja, não mudam. O que mudou foi o enfoque do anúncio da doutrina e da vida da Igreja correspondente à realidade de hoje. Como o Concílio Vaticano II não foi um concílio dogmático, nem doutrinário, mas sim pastoral - ele veio abrir a porta da Igreja para o mundo atual, para uma renovação para uma compreensão melhor. O Catecismo é nessa direção de fazer com que as pessoas possam compreender mais a fé em uma Igreja onde se sinta comunidade, participante, se sintam irmãos uns dos outros. A linguagem não é mais de condenação, de excomunhão, mas de misericórdia, acolhimento, compreensão. 

E essas declarações que o papa tem dado sobre segundo casamento e união homoafetiva?
Até agora a questão do matrimônio está sendo estudada em uma grande reunião de bispos em Roma para tratar do sacramento do matrimônio, mas sobretudo da família no tempo de hoje. O Catecismo também contempla a questão da homossexualidade. Tem verbetes sobre isso e a posição da Igreja não se trata de uma condenação, de exclusão. Deve-se respeitar as pessoas a partir da sua dignidade humana. Não se trata de incentivo nem dizer que está certo. Trata do problema como algo inerente, que pode acontecer na vida humana, e é preciso acompanhamento, acolhimento, que as pessoas sejam tratadas com dignidade. Quando o Catecismo foi elaborado não havia esta novidade do matrimônio homoafetivo. São situações novas que a Igreja a partir desta realidade afirma o valor do sacramento entre homem e mulher. A doutrina católica sobre o casamento também não vai alterar. O matrimônio é para o homem e para a mulher. A confusão mental que há na sociedade é que quando se trata de um registro, de um contrato entre pessoas do mesmo sexo é visto como um casamento. Na realidade, pode até dizer que é um casamento, mas nós nos interessamos em apoiar e promover a família, que tem na união entre homem e mulher. Quanto a esses outros casamentos, não temos o direito de proibir. É a liberdade dos filhos de Deus. 

Temos muitos temas considerados polêmicos. A família está preparada para enfrentá-los?
Tenho impressão que a própria sociedade e todos nós podemos constatar que a família passa por esta turbulência muito séria em que todos os valores humanos e tradições, referências morais, religiosas vão sendo como que destruídas e até atacadas ou resistidas. Nós devemos como pastores sermos sensíveis e estarmos atentos a esta realidade que envolve a família, ao desajuste, às separações, aos diversos tipos de família, de matrimônios, o primeiro casamento desfeito, vem a questão do divórcio. É uma das instituições que mais sofre as consequências das mudanças do tempo atual. 

O senhor acredita que há um descompasso entre a forma como se comporta a sociedade e a reação das igrejas? Um descompasso entre a prática e a doutrina?
Isso é muito claro e se constata com facilidade. A doutrina está aí, o anúncio é feito e a prática, no entanto, é outra. Nós seríamos hipócritas e ingênuos se achássemos que tudo está direitinho, conforme está prescrito na Palavra. A doutrina está aí, é o ideal, o caminho é este. Feliz de quem tiver a graça de ser fiel. E tem muita gente boa, tem muitas famílias consolidadas que crescem no espírito cristão. Os pais, os filhos na mesma direção. 

Como o senhor vê a violência, suas origens e as alternativas? 
Em primeiro lugar, vejo a violência dentro de um contexto conjuntural. Ela é fruto de uma sociedade que foi se deteriorando e se esgarçando. É fruto de uma degradação dos sistemas sociais, políticos, econômicos. Há como que um desgaste geral das instituições, dos poderes, a Igreja também entra nesta realidade. As instituições todas passam por uma crise muito grande. E quando contemplamos a violência no Brasil é preciso ter muita esperança para entrarmos em um projeto que seja de enfrentamento a esta violência, que não vai ser resolvida com polícia, nem com prisões. Precisamos ver a sua origem e aí vem a exclusão social, a desigualdade, explicitada de modo tão ostensivo pela mídia. Aí vem a questão da Educação. Nós estamos como que em um campo de guerra onde precisamos trabalhar muito para reconstruir tudo aquilo que ali está. 

Como falar da corrupção do ponto de vista religioso?
Eu vejo a corrupção como uma problemática de toda a sociedade. É questão de cidadania, de controle social e de consciência política das pessoas. Podemos constatar que o Brasil está escandalizando o mundo com a sua escalada de corrupção, mas os depoimentos vão mostrando que é uma cultura que passa de geração em geração. É preciso que nós estejamos atentos e acho louvável podermos constatar que há um empenho em ir fundo, investigar, denunciar. 

E a corrupção na Igreja?
As pessoas pensam que problema grave na Igreja só o moral. Aquele assunto eterno da pedofilia. Mas vemos também como muito séria a questão da transparência com o que diz respeito aos valores materiais, como se aplica a prestação de contas. Isso vale para todos. Não estamos isentos de sermos cobrados dentro desses parâmetros que a sociedade exige. 

A caridade vem perdendo espaço hoje ou a percepção do que é a caridade é que está mal compreendida? 
A caridade é a maior virtude cristã. A caridade não vai perder o lugar de honra e de prioridade na vida da Igreja, na vida cristã e no sentimento religioso. Eu posso até não ter religião e, no entanto, praticar a caridade, ter um gesto de amor e de benevolência para com o irmão. Acho que hoje a Igreja vai aperfeiçoando e não está sozinha. São Muitas igrejas e instituições que insistem na caridade. Houve e há aquele discurso de dizer que não se deve dar o peixe, mas ensinar a pescar, mas o problema é que a partir daí eu posso ficar indiferente. Um ser humano está precisando de uma ajuda, se eu tenho dinheiro, posso ajudar. Agora, devo me preocupar em como fazer para erradicar essa situação. Feliz de quem tiver a sensibilidade de amar o irmão e fazer o mínimo que é possível. 

O que esperar da juventude? 
Espero da juventude algo muito positivo. Cabe a todos nós nos preocuparmos para fazer com que esses jovens tenham condições e oportunidades para se descobrirem um ideal a ser assumido. Para isso é preciso que eles possam participar de determinados processos que lhes dê consciência crítica. Por mais que as pessoas resistam a isto, não vejo outro caminho.

O que a Igreja tem feito para atrair jovens e contribuir para esse processo de inclusão social?
Acho que ela contribui quando abre os seus espaços. Qual a igreja que não conta com o Ministério de Música para animar as suas celebrações? Às vezes até causando uma certa discrepância entre a natureza do sagrado, da celebração, com o tipo de música, de instrumental que se usa. Mas é gratificante perceber que os jovens estão se voltando para a Igreja. Temos também muitos grupos de jovens, atingindo jovens que se encontram em diversos níveis de compreensão da fé. 

E as reflexões do Papa Francisco devem demorar a transformar-se em mudanças de atitudes?
Acredito que demorará bastante. Há uma resistência muito grande ao modo de ser do papa por parte da Igreja, que pode até ser natural. Agora, em tudo aquilo que o papa está falando ele está falando do evangelho. E por isso devemos nos esforçar para segui-lo. O papa tem sido muito duro com todas essas questões para com a vida da Igreja. Qualquer um dos seus colaboradores que não comunga com o seu modo de ser ele dispensa. Alguns grupos podem achar que o papa é muito avançado, que está indo muito longe, que teria que ser mais moderado. Acham que as mudanças ou a postura está sendo muito rápida. Às vezes nem se fala, não se diz. Do silêncio diante de tudo aquilo que o papa está proclamando. Aconteceu também com o papa João XXIII. A mudança gera resistência.

Nenhum comentário:

Postar um comentário