segunda-feira, 1 de junho de 2015

“O congresso que aí está não representa a sociedade”

Conversar com o ex-ministro da Previdência Social Roberto Brant é uma aula: sobre economia, previdência e o contexto do Brasil inserido no mundo. A cada pergunta ele vai direto ao assunto, detalha, argumenta. Sobre os recentes ajustes fiscais, Brant diz que não é a garantia de que o Brasil vai melhorar de imediato e usa a metáfora do tratamento médico: "as vezes você vai ao médico, ele lhe dá um remédio onde, nos primeiros dias, você piora".
Emanuel AmaralRoberto Lúcio Rocha Brant foi ministro da Previdência no Governo Fernando Henrique Cardoso. Hoje é assessor da Confederação Nacional da Agricultura (CNA). Foi deputado federal por cinco mandatos consecutivos pelo Estado de Minas GeraisRoberto Lúcio Rocha Brant foi ministro da Previdência no Governo Fernando Henrique Cardoso. Hoje é assessor da Confederação Nacional da Agricultura (CNA). Foi deputado federal por cinco mandatos consecutivos pelo Estado de Minas Gerais
A convite do presidente da Federação da Agricultura do Rio Grande do Norte, José Vieira, Roberto Brant esteve em Natal ministrando duas palestras.

Quando o assunto é previdência, o ex-ministro diz que não há "fórmula mágica" e defende o fator previdenciário como artifício para garantir a sustentabilidade do sistema.

Sobre política, Roberto Brant é duro e vai direto: a nossa sociedade é muito melhor do que o congresso que aí está. Mas esse congresso deixou de ser representativo da sociedade e passou a ser representativo de si mesmo. “De modo geral, os governos tem visão mais construtiva da realidade do que o congresso. Embora o Governo Dilma tenha errado sistematicamente porque aprofundou todos os problemas do Brasil e nós estamos nessa crise”, comentou. Confira o 3 por quatro com Roberto Brant:

O que está ocorrendo com o Brasil?
O que nós todos sabemos é que a economia do país está estagnada. E esse é um fenômeno brasileiro e não internacional como o Governo, as vezes, costuma dizer. É verdade que o crescimento no mundo todo se retraiu, mas não a ponte de estagnação. Os Estados Unidos a quase 3% ao ano. A China reduziu a taxa de crescimento, mas ainda vai crescer este ano 6,5%. A Índia vai crescer 7%. Há crises localizadas na Rússia, por razões políticas, na Venezuela, na Argentina e no Brasil. Isso é o fato. 

O que levou a essa estagnação brasileira?
Há dois componentes. O primeiro é o de longo prazo. O Brasil no século XX foi o país que mais cresceu no mundo. De 1.900 a 1.980 o Brasil cresceu a renda por habitante 2,5% ao ano. O Brasil multiplicou por quatro sua renda por habitante no espaço de três gerações, o que é uma realização majestosa e inédita no mundo. De 1980 para cá já são 35 anos, não é curto prazo, o crescimento do Brasil declinou muito. Evidente que ao longo do período houve altos e baixos. Mas a tendência é exatamente de declínio acentuado, profundo de crescimento da economia. No ano de 1980 a renda média de habitante no Brasil era apenas a metade da renda média dos 27 países mais ricos do mundo. Havia uma renda de 4.900 dólares e a renda média era de 10 mil dólares. Agora em 2015 a renda média desse grupo de países ricos está em 58 mil dólares e a do Brasil em 16 mil dólares. Ou seja, agora a diferença é três vezes, aumentou. Nosso horizonte deveria ser estreitar a diferença, mas ao longo do tempo ela (a diferença) aumentou. Agora somos um terço da renda desse conjunto de países. Alguma coisa de permanente e estrutural ocorreu com a economia brasileira e em um período longo. E são muitas razões disso. No foco de curto prazo houve momentos de crescimento e houve uma década perdida que foi a de 80, houve alta inflação. A partir de 1998 o Brasil voltou a crescer razoavelmente. No período de 1998 a 2008 houve certo crescimento, um bom crescimento, não para compensar o atraso, mas foi bom, parecia que o Brasil estava retomando o ritmo novamente. E aí veio a a crise internacional. Nós lidamos muito mal com ela. E agora além da estagnação de longo prazo de que nós somos vítimas. Agora também somos vítimas de um conjunto de erro de condução da economia que está afundando o Brasil mais ainda. Estamos crescendo menos do que o resto do mundo. O PIB cresceu ano passado 0,2% e esse ano deve cair 1,2%. Isso é inédito. Nem em 1964 não ocorreu isso.

E nesse cenário qual o efeito do contingenciamento e dos ajustes fiscais anunciados pelo Governo?
O efeito imediato é aprofundar a recessão. Agora é preciso que se diga que se não fizer isso nós vamos afundar em crise muito mais profunda. O ajuste, por si só, não traz novo crescimento. Mas ele é condição necessária para qualquer tentativa. O crescimento que o Brasil teve na década de 2010 não foi um sustentável, não foi baseada em coisas que são capazes de se repetir e se auto-reproduzir. Foi um crescimento artificial porque foi baseado em uma coisa permanente que foi a melhora na distribuição de renda. E isso melhora a qualidade de crescimento, amplia mercado interno e cria demanda para as indústrias. E tem dois lados que são superficiais: um é o aumento de consumo de certas faixas da população via crédito. O Brasil tinha quantidade de crédito muito pequeno, mas houve expansão do crédito e isso chega a um limite. E quando a coisa chega ao limite se esgota, foi o que ocorreu: chegou ao limite. As famílias estão endividadas e a inadimplência aumentou. Você não pode contar com o aumento da demanda via crédito para as pessoas. E o outro pilar falso é o aumento do gasto público. O Brasil chegou em situação crítica em relação ao desequilíbrio das contas públicas. O Brasil sempre teve um certo desequilíbrio, mas acontece que o Brasil partiu de uma base que tinha espaço para crescer. O Brasil chegou ao ponto que o Governo usou crédito para o consumo e agora chegou ao teto. O Estado não tem mais como tirar dinheiro para aumentar suas despesas.

O senhor, quando ministro da Previdência, criou o fator previdenciário hoje muito criticado. Há solução para previdência?
Temos duas previdências no Brasil, a do setor privado que é do INSS e a do setor público. A do setor privado tem desequilíbrio porque o regime dela não é contributivo. Isso seria um regime onde as pessoas contribuem, o empregador contribuem, aplicam os recursos e vão pagando a previdência de acordo com o conjunto do seu fundo. Mas não é assim o sistema no Brasil. Quem paga a aposentadoria é quem está trabalhando hoje. A contribuição de quem está no mercado vai para previdência e ela usa no mesmo mês para pagar. É o regime de repartição. O que acontece é que esse sistema é ótimo quando você tem muita gente trabalhando e pouca gente aposentada. Mas isso foi alterando ao longo do tempo. Hoje você tem 60% trabalhando e 40% aposentado porque foi acumulando o número de inativos, a previdência é recente, e segundo que a população parou de crescer, ela cresce pouco em relação a que está saindo para se aposentar. Num sistema desse tipo você não tem solução. E a alternativa é aumentar o tempo em que as pessoas ficam trabalhando, é você equilibrar a quantidade de gente trabalhando com a de pessoas que estão aposentadas. Não há solução além disso. Todos países que tem esse regime começaram a aumentar a idade para as pessoas se aposentarem. O que é justo. A previdência para ser sustentável é você alongar. Não existe aposentadoria por contribuição, só no fundo privado. Não é o caso da brasileira. Tentamos no Governo Fernando Henrique Cardoso estabelecer idade mínima para homens e mulheres e perdemos. Foi aí que inventamos o fator previdenciário, que leva em tempo a realidade demográfica. Agora a pessoa não é obrigada a ter o fator previdenciário, ele é só para quem aposenta antes da idade mínima. Quem aposentar com 60 anos recebe integral. 

O senhor foi deputado federal, mas deixou a política. O senhor deixou a política decepcionado?
Eu sou ex-político. Meu primeiro mandato foi como constituinte. Eu queria ser político quando era estudante, aí quando teve o golpe de 64 tirei aquilo da cabeça. Fiquei cinco mandatos na Câmara. Não tenho mágoa. O que acho é que a Constituinte inovou em diversas áreas, a única que não inovou em nada foi o sistema político. O sistema eleitoral, o sistema partidário tudo. Como era feito de homens que pertencia ao sistema político que estava lá a Constituinte não inovou. O sistema político funcionava no Governo militar porque era apenas uma caricatura. Mas quando foi posto em prática, mostrou-se fracassado. Hoje você tem um país com 27 partidos, nenhum tem maioria. O PT tem a presidência da República, mas não tem maioria para governar. Os pequenos partidos, que são bactérias oportunistas, vem para o centro do poder e distorcem toda política e o poder fica refém de um congresso, não do ponto de vista bom. Porque no regime democrático todo governo é refém de um congresso que representa a sociedade. Mas esse congresso deixou de ser representativo da sociedade e passou a ser representativo de si mesmo. De modo geral os governos tem visão mais construtiva da realidade do que o congresso. Embora o Governo Dilma tenha errado sistematicamente porque aprofundou todos os problemas do Brasil e nós estamos nessa crise. O problema só ficou muito agudo por causa dos problemas, dos erros dela (Dilma Rousseff). 

Bate e volta

O Brasil está precisando: 
O Brasil está precisando urgentemente se reinventar, o Estado se reinventar para que as potencialidades da economia possam se desenvolver. Mas o congresso é intervencionista, entra em tudo. Ele não tem um princípio orientador, informativo. O congresso atua na base de uma agenda semanal e pressiona a presidente da República na base de obter favor. E como o congresso o único objetivo é sobreviver, então tudo que contraria o sentimento dominante eles não vão.

Roberto Lúcio Rocha Brant foi ministro da Previdência no Governo Fernando Henrique Cardoso. Hoje é assessor da Confederação Nacional da Agricultura (CNA). Foi deputado federal por cinco mandatos consecutivos pelo Estado de Minas Gerais.
Por Anna Ruth 

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