Por Josias de Souza
Interrogado pelo juiz Sérgio Moro num dos inquéritos do petrolão, o marqueteiro João Santana admitiu que os US$ 4,5 milhões depositados pelo lobista Zwi Skornicki em sua conta secreta na Suíça referem-se a serviços que prestou à campanha de Dilma Rousseff em 2010. Tudo no “caixa dois”, escondido da Justiça Eleitroal. Reconheceu que mentiu ao afirmar, em depoimento que prestou em fevereiro, que a verba fora amelhada em campanha no exterior. Falseou a verdade para não incriminar Dilma.
“Eu achava que isso poderia prejudicar profundamente a presidenta Dilma”, afirmou Santana. “Eu raciocinava comigo: eu, que ajudei, de certa maneira a eleição dela, não serei a pessoa que vai destruir a Presidência. Nessa época, já iniciava um processo de impeachment. Mas ainda não havia nada aberto. Eu sabia que isso poderia gerar um grave problema, sinceramente, até para o próprio Brasil.”
O juiz da Lava Jato interrogou também Mônica Moura, mulher e sócia do marqueteiro do PT. Ela soou como se houvesse combinado o enredo com o marido. Disse que o PT ficara devendo R$ 10 milhões da campanha de 2010. Cobrou a dívida de João Vaccari Neto, ex-tesoureiro do PT, preso em Curitiba. E foi orientada a procurar Zwi Skornicki, representante no Brasil do estaleiro Keppel Fels. Com atraso de três anos, o pagamento foi feito em parcelas, entre 2013 e 2014.
A exemplo do marido, Mônica também mentira em seu primeiro depoimento. Por quê?, quis saber Sérgio Moro. “O pais estava vivendo um momento muito grave institucionalmente, político… As coisas que estavam acontecendo em torno da presidente Dilma. […] Para ser muito sincera: eu não quis atrapalhar esse processo, não quis incriminá-la, […] eu achava que ia contribuir para piorar a situação do país falando o que realmente aconteceu. E eu acabei falando que foi o recebimento de uma campanha no exterior.”
Moro questionou Santana e Mônica sobre outros US$ 3 milhões depositados pela Odebrecht na mesma conta mantida pelo marqueteiro na Suíça entre 2012 e 2013. A encrenca é apurada noutro inquérito. E ambos, orientados pelos advogados, disseram que só falarão sobre o tema quando forem marcados os depoimentos relativos ao processo específico. O primeiro-casal da marquetagem negocia acordos de delação premiada com a força-tarefa da Lava Jato. Mônica disse a Moro que desejava falar também sobre os vínculos com a Odebrecht. Mas gostaria de fazê-lo como candidata a beneficiária de compensações judiciais.
A despeito de terem silenciado sobre as verbas de má origem recebidas da maior empreiteira do país, Santana e Mônica foram muito explícitos ao discorrer sobre os porões das campanhas eleitorais. Falaram com tal desembaraço sobre o caixa dois que não restou nenhuma dúvida quanto à utilização do mecanismo em todas as campanhas eleitorais que tocaram —entre elas a a reeleição de Lula, em 2006, e as duas disputas presidenciais vencidas por dilma em 2010 e 2014.
“Não acha que receber esses recursos por fora significa trapaça?”, indagou Moro a Santana. E ele: “Acho que significa, antes de tudo, um constrangimento profundo, é um risco, é um ato ilegal. É preciso rasgar o véu de hipocrisia que cobre as relações políticas e eleitoras no Brasil e no mundo. Não defendo [o caixa dois], sempre relutei.”
Moro insistiu: “Não poderia dizer simplesmente ‘não recebo dessa forma’?” Santana deslizou: “Em tese, sim. Mas quando você vive dentro de um ambiente de disputa, de competição, ambiente profissional, mesmo quando ele é eivado de um tipo de prática que não é a mais recomendável, você termina tendo que ceder. Ou faz a campanha dessa forma ou não faz. Ou vem outro que vai fazer dessa forma. E termina virando isso. Eu acho lamentável, eu me arrependo, sempre lutei contra. Mas sempre fui vencido.”
Ao espremer Mônica, o magistrado recordou que, entre 2006 e 2014, a empresa que ela e o marido utilizam para tocar campanhas eleitorais recebeu legalmente do PT R$ 171 milhões. Tudo sacramentado na contabilidade enviada à Justiça Eleitoral. Com tanto dinheiro, por que diabos ainda era necessário receber verbas por baixo da mesa? A mulher de João Santana alegou que é justamente o alto custo do circo eleitoral que conspira contra a contabilização da bilheteria.
“Os partidos não aceitam que todos os valores sejam registrados”, disse Mônica a Moro. “…Os partidos não querem declarar o valor real que recebem das empresas e as empresas não querem declarar o quanto doam. Nós, profissionais, ficamos no meio disso. Não era uma opção minha, era uma prática não só no PT, mas em todos os partidos.”
Vão abaixo as íntegras dos depoimentos de João Santana (duas partes) e Mônica Moura (duas partes). A pedido dos advogados da dupla, Sérgio Moro poupou-os do constrangimento de expôr o rosto diante das câmeras. Gravou-se apenas o áudio das inquirições.
Fonte: Blog do BG
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