Estudantes da etnia pataxó estão entre os primeiros dos povos indígenas formados pela UFMG por meio de programa especial. Ambos vão se dedicar ao atendimento às tribos
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| Casal colou grau na manhã desse sábado (foto: Beto Novaes/EM/D.A Press. ) |
No lugar dos jalecos brancos, rostos pintados; em vez do estetoscópio pendendo do pescoço, cocar com grandes penas e muitos adereços coloridos. Foi assim que dois estudantes da etnia pataxó, Amaynara Silva Souza e Vazigton Guedes Oliveira, ambos de 27 anos, subiram ao palco do auditório da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) para receber o diploma e se tornar os mais novos médicos de origem indígena do país – estão entre os primeiros com formação pela UFMG. Ela veio das terras indígenas de Carmésia, no Vale do Rio de Doce mineiro, e ele de Cumuruxatiba, no Sul da Bahia, para se juntarem à turma com 130 alunos.
As pinturas nos rostos são comuns entre as tribos e, no caso da pataxó, representa a figura do peixe. Utilizada em datas festivas, na colação de grau não poderia ser diferente: “Esperei por esse dia minha vida toda”, diz Amaynara. O desejo por um dos cursos mais concorridos nasceu da necessidade de melhorar a qualidade de vida das tribos. A intenção de ambos é se especializar em medicina de família e comunidade e retornar os conhecimentos obtidos na universidade para as aldeias indígenas.
Adaptação A mudança dos estudantes pataxós para a capital mineira foi um processo de descobertas e desafios. As dificuldades da transição da aldeia para o meio urbano envolveram desde a geografia à distância da família. Entretanto, segundo Amaynara, essas adversidades foram minimizadas pelo apoio dos outros estudantes. “O maior impacto foi o estilo de vida, que é mais corrido e individualista”, afirma a jovem. Apesar da dificuldade inicial, os jovens fizeram muitos amigos e se dizem bem adaptados aos hábitos belo-horizontinos: “Mas, sinto falta das comidas feitas com base de farinha, como é muito tradicional na Bahia”, conta Zig.
A distância foi a maior dificuldade para os dois jovens médicos. Quando o coração apertava, era o incentivo instantâneo da tribo que salvava. “A família se sentiu muito feliz e contemplada por podermos representar o nosso povo”, diz Amaynara. A dupla conta que a aceitação da migração para a cidade é muito bem resolvida.
Para os colegas da faculdade a troca de experiências também foi muito importante.“Assim como vamos levar o conhecimento para as nossas comunidades, nós trouxemos também informação sobre o nosso povo, que ainda é muito desconhecido, para as salas de aula. Acho que essa troca é muito enriquecedora para a universidade. Se você conhece uma cultura, você aprende a respeitá-la”, afirma Amaynara, exaltando o orgulho por sua origem.
Prioridade no processo seletivo
Tanto Amaynara quanto Vazigton entraram para o curso por meio de um programa da universidade federal que integra as ações afirmativas para indígenas, assim como as cotas e a formação de educadores indígenas, abrindo vagas adicionais a integrantes desses povos. O preenchimento ocorre em processo seletivo específico e beneficia estudantes oriundos de diversas etnias (pataxós, xakriabás, kaxixós, tupiniquins e terenas) que não tiveram acesso ao ensino regular. “É de grande importância o Programa de Vagas Suplementares. É difícil pensar em concorrer com pessoas que estudaram nas melhores escolas da capital”, pontua Zig.
O professor e pró-reitor de graduação Ricardo Hiroshi Caldeira Takahashi afirma que, se não fosse pelo programa, seria muito difícil os alunos indígenas ingressarem na universidade. “As cotas federais não são suficientes para a inserção desse grupo. A gente desenha o projeto com o intuito de corresponder às necessidades dessas comunidades indígenas. É de muita importância o conhecimento desse tratamento primário da saúde para ser levado às aldeias”, afirma. As vagas foram disponibilizadas para os cursos de agronomia, ciências biológicas diurno, ciências sociais, medicina e odontologia. Até momento, chega a 11 o total de alunos indígenas formados.
Ricardo aponta que outras universidades já começaram com esse tipo de iniciativa, mas que a UFMG é uma das mais bem-sucedidas devido ao auxílio dado aos estudantes. “Ao receber os indígenas, nós os encaminhamos para a escola do ensino médio da UFMG para passar alguns meses, onde vão rever conteúdos importantes que poderão ser utilizados durante a graduação. Outro ponto é que os indígenas recebem tutores para acompanhá-los durante o curso – um professor para manter o contato deles com a universidade”, detalha.
O programa ainda assegura a esses estudantes acesso à moradia universitária e aos outros projetos de assistência estudantil da UFMG. “Pensamos que, para os indígenas, a pior ideia possível é deixar que eles se diluam na cidade. Então, alugamos um imóvel para que eles fiquem em um mesmo ambiente e possam interagir entre si”, afirma o pró-reitor. Os alunos ainda contam com um sistema de apoio da Fundação Universitária Mendes Pimentel (Fump) para a permanência na universidade. “Hoje, somos referência para a juventude de nossa comunidade. Eles percebem que é, sim, possível”, comemora Amaynara.
Fonte: http://www.em.com.br/




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