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domingo, 29 de janeiro de 2017

Carlos Eduardo opina sobre o sistema prisional potiguar

Ex-secretário de Justiça do Rio Grande do Norte, no Governo de Garibaldi Filho, o prefeito de Natal, Carlos Eduardo Alves (PDT), escreveu dois artigos sobre o caos do sistema penitenciário:

UM SISTEMA CRIMINOSAMENTE DESFEITO I

Em determinado período de sua rica história, o Rio Grande do Norte pode ostentar a marca de ter um dos mais avançados sistemas prisionais do país, implantado praticamente a partir do nada. Isso ocorreu nos anos 90, quando assumimos a Secretaria de Justiça e Cidadania no Governo Garibaldi Filho. A Secretaria era responsável apenas pelo presídio de regime fechado João Chaves, construído há 30 anos em Natal que ficou popularmente conhecido como Caldeirão do Diabo por registrar uma morte de detento a cada mês, e a penitenciária Mário Negócio, de regime semiaberto, em Mossoró. Pois bem, em apenas 3 anos, vencemos a inércia para implantar no Estado um completo sistema prisional.

O Caldeirão do Diabo, situado dentro da área urbana de Natal, no coração da Zona Norte, deixou de existir. Construímos a Casa Albergue para o regime aberto e o Hospital de Custódia ou manicômio judiciário com 51 leitos. Até então, presos com problemas mentais eram enviados para a vizinha Paraíba. Além disso, criamos dois pavilhões de regime fechado em Mossoró e duas novas penitenciárias de regime fechado, em Caicó e Alcaçuz, esta última referência nacional pelo respeito aos direitos humanos. E ainda demos início à construção das Cadeias Públicas de Natal e de Mossoró. Assim, o Estado livrou-se da superlotação de presos e pela primeira vez passava a contar com um sistema que englobava todos os regimes previstos na Lei de Execuções Penais, complementado pelo Patronato, projeto-piloto para dar curso às penas alternativas, por sinal uma das primeiras unidades no Brasil e modelo visitado por representantes de mais de uma dezena de Estados.

Vale dizer que a construção de Alcaçuz seguiu os padrões internacionais recomendados pelas Nações Unidas na Conferência do Cairo de 1997 e adotados pelo Ministério da Justiça. Além disso, a obra teve acompanhamento sistemático da OAB, do Ministério Público, do Tribunal de Justiça, do Conselho Penitenciário e de representantes das igrejas católica e evangélica.

Hoje, Alcaçuz é escárnio nacional, com cenas deprimentes de uma rebelião sangrenta, levadas pela TV ao país e ao mundo. Dizer que o erro maior foi construir numa região de dunas é pura falácia. Como se a condição do terreno determinasse a degradação que leva um ser humano a matar outro ser humano com alto grau de crueldade para ganhar prestígio entre os demais. É querer zombar da inteligência alheia.

É verdade que desde sua inauguração em 1998, há quase 20 anos, o presídio sofreu a falta de investimentos em manutenção e todo um trabalho de assistência aos apenados foi deixado de lado. Quantos e quantos anos perdidos. Quanta omissão!

Alcaçuz se tornou um depósito de presos. Um campo de concentração para onde são enviados criminosos perigosos e também pessoas que cometeram pequenos delitos e poderiam, acredito sim, voltar a conviver em sociedade. Um crime contra o nosso Estado e a nossa sociedade. Porque é fácil perceber que Alcaçuz não tinha problema estrutural, mas conjuntural. Faltou sempre um maior efetivo de policiais e também a formação adequada de um quadro de agentes penitenciários. Não foi o local escolhido como trombeteado por aí.

O argumento de que o presídio deveria ser construído em outro local, longe de Natal, também não leva em conta a legislação com farta jurisprudência no STF que assegura o cumprimento da pena perto da família como forma de contribuir para sua ressocialização.

UM SISTEMA CRIMINOSAMENTE DESFEITO II

O caos do sistema prisional que se assiste hoje no Brasil e no Rio Grande do Norte é resultado da falta de cuidado técnico e profissional, e o muito pouco que foi feito para abertura de novas vagas no sistema nesses quase 20 anos desde a inauguração de Alcaçuz, complexo penitenciário classificado pelo Ministério da Justiça, na ocasião de sua construção, como prisão modelo. Só o descaso justifica chegarmos ao ponto em que chegamos. Só a indiferença e a inépcia puderam levar Alcaçuz ao fundo do poço, a mais abjeta casa da degradação humana.

Voltando ao sistema. Não foram somente realizadas obras físicas, citadas ontem neste espaço, na época em que tive a honra de exercer o cargo de secretário de Interior, Justiça e Cidadania no governo Garibaldi Filho. Num árduo mutirão, promovemos, junto com o Judiciário, a revisão de todos os processos de modo a atualizá-los. Substituímos o fraudado sistema de fichas por registros computadorizados. Demos a cada apenado e a seus familiares o acompanhamento de uma equipe multidisciplinar (advogado, psicólogo, psiquiatra e assistente social). O sistema garantia atendimento médico e odontológico aos apenados e, através de um convênio com a Funpec, incentivamos o trabalho remunerado com vagas não só em órgãos do governo como a própria Sejuc, Centrais do cidadão, Procon, zeladoria do centro administrativo entre outros, como também com empresas privadas que se dispuseram a abrir vagas para que os apenados pudessem trabalhar. Aliás, agora na prefeitura repetimos parceria com o Judiciário para que apenados fossem contratados para trabalhar em empresas que realizaram obras de mobilidade urbana contratadas pelo município.

Na época, foram muitos os presos que tiveram acesso ao ensino básico e o profissionalizante, este com remuneração em sistema de poupança para garantir um pecúlio ao final da pena. Distribuímos vestuário e kits de higiene pessoal para apenados e apenadas. Desenvolvemos um sistema pioneiro de comercialização dos produtos fabricados na prisão com participação nos lucros para cada prisioneiro participante do projeto. Enfim, criamos uma política de humanização, até então inexistente, levando dignidade onde antes só se oferecia indiferença.

Fundamos, igualmente de modo pioneiro, a Escola Penitenciária para a formação de agentes carcerários. A Secretaria de Justiça e Cidadania também foi parâmetro nacional com a informatização do setor e a criação da Memória do Apenado, que servia ao intercâmbio de comunicação com os demais Estados. A Memória continha fichas individuais com foto, prontuário, impressão digital e informações precisas para eliminar eventuais distorções ou injustiças. Finalmente, cuidou-se da instalação do Conselho dos Direitos Humanos no Estado, da elaboração do Estatuto Penitenciário e de uma legislação específica sobre transporte e envio de presos, classificação e lotação de unidades prisionais. Enfim, naquele tempo, pagar uma dívida social não significava necessariamente descer aos infernos.

Não existe na legislação brasileira a pena de morte, nem a prisão perpétua. Significa dizer que todo pessoa condenada por algum crime um dia vai sair da prisão. Portanto, tratar a questão penitenciária como coisa séria exige respeito a quem está lá dentro, porque são seres humanos. Exige solidariedade às muitas famílias que sofrem pelos erros de seus entes queridos. Exige compreensão das autoridades para a necessidade de ocupar espaços abertos que permitiram o surgimento e crescimento das facções criminosas. Exige reflexão da sociedade sobre como tratar o apenado e como reintegrar os que querem voltar ao convívio na sociedade. Exige, acima de tudo, responsabilidade daqueles que tudo falam, nada entendem e a todos confundem.

Heitor Gregório

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