Lideranças do mercado apontam quais são as perspectivas para a cervejaria que nasceu em Blumenau e foi comprada ontem pela gigante holandesa.
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| Foto: Gilmar de Souza / Ver Descrição |
Após 33 edições de Oktoberfest e uma cultura de tradições ligada à cerveja na cidade, Blumenau viu ontem mais um capítulo especial desta trajetória ser escrito pela Eisenbahn. Fundada em 2002 no número 5.181 da Rua Bahia, onde um dia passou a estrada de ferro que inspirou seu nome, a cervejaria artesanal blumenauense foi vendida em 2008 ao Grupo Schincariol. Três anos depois, os proprietários da Schin negociaram a companhia com os japoneses da Kirin. Ontem, a marca blumenauense esteve novamente envolvida em uma megatransação do mercado cervejeiro, com a venda das marcas e operações da Brasil Kirin à holandesa Heineken.
A terceira mudança de mãos em nove anos pode representar novos caminhos para a cervejaria da antiga ferrovia. Se no início a Eisenbahn era conhecida pela exclusividade e pelo sabor característico da garrafinha amarela – ou coloridas, para quem desdenha da variedade pilsen –, algo que inclusive inspirou muitas artesanais, a cervejaria mudou de patamar com a passagem pelos grupos Schin e Brasil Kirin. Popularizou-se, ganhou preços mais competitivos e cresceu em pontos de venda e consumo, com novidades como a garrafa de 600 ml e lata, as duas embalagens mais consumidas no país.
Apesar do ganho em popularidade, muitos consumidores passaram a questionar aspectos do sabor da marca após a estratégia da Brasil Kirin. E neste aspecto a passagem de bastão para a Heineken é vista por lideranças do mercado local de cerveja como uma possibilidade de voltar a conferir à Eisenbahn uma imagem de sofisticação e linha superior. Uma espécie de volta às origens da marca, dos tempos em que a produção era centrada apenas nos fermentadores da Rua Bahia.
O negócio
A possibilidade de venda das operações no Brasil pela Kirin já era especulada no mercado cervejeiro. O motivo seria o fato de os japoneses não estarem convertendo em resultados a boa expectativa anunciada na compra da companhia, em 2011. A Brasil Kirin opera 12 fábricas, tem presença forte no Norte e Nordeste e marcas como Schin, Devassa, Baden Baden e Eisenbahn.
Em nota, a Heineken informou que o valor da aquisição anunciada ontem é de 664 milhões de euros – cerca de R$ 2,2 bilhões de reais – e que espera “atingir sinergias de custos, produção e logística e a otimização das cervejarias e das despesas de vendas, gerais e administrativas”. Com a compra das operações, a Heineken se torna a segunda maior companhia de cervejas no país, atrás da Ambev, mas à frente da Petrópolis. A empresa cita ainda o fato de o Brasil possuir o terceiro maior mercado de cervejas e um potencial de crescimento na linha de cervejas especiais. A conclusão da compra ainda depende de aprovação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e, o que, segundo a Heineken, está previsto para o primeiro semestre de 2017.
O Santa ouviu pessoas ligadas ao mercado cervejeiro para saber o que é possível projetar para a Eisenbahn após as primeiras informações sobre a negociação. Confira ao lado alguns aspectos.
O anúncio da compra da Brasil Kirin pela Heineken sacudiu o mercado cervejeiro ontem, mas entre os blumenauenses alguns pontos de interrogação chamaram mais a atenção do que as cifras milionárias envolvidas no negócio: como fica a Oktoberfest? Vai ter chope da Heineken neste ano? A Eisenbahn vai sair da festa? Ainda não há resposta para essas perguntas.
Em outubro de 2014, a Brasil Kirin venceu uma licitação para se tornar a cervejaria oficial da maior festa alemã do Brasil. Entre seu vasto portfólio, a empresa atribuiu à Eisenbahn a missão de ser o carro-chefe do evento, numa decisão elogiada por se tratar de uma marca com raízes blumenauenses que desbancava a poderosa Brahma do posto. Assim foi durante as duas últimas edições. O contrato firmado, no entanto, tem mais quatro anos de vigência.
O secretário de Turismo de Blumenau, Ricardo Stodieck, lembra que cabe à Brasil Kirin indicar as marcas que vão ocupar os pontos de venda concedidos à fornecedora oficial da festa. São 13 espaços distribuídos entre a Vila Germânica, enquanto as demais cervejarias artesanais dispõem de apenas oito. Nova dona dos ativos brasileiros da multinacional japonesa, a Heineken, por meio de sua assessoria de imprensa, informou à reportagem que ainda não se manifestará sobre a transação e suas eventuais consequências.
Entre as marcas mais famosas da Heineken estão justamente a que dá nome à empresa, a Sol Premium e a Kaiser – comprada junto à Femsa em 2010 por R$ 7,6 bilhões. Questionado se acredita em mudanças no cardápio da Oktober, Stodieck diz que “ainda é muito cedo” e que não tem opinião formada a respeito. Ele ainda não foi procurado pela Heineken para discutir detalhes da festa. O secretário lembra que o evento exige, desde 2013, que pelo menos 20% das bebidas vendidas atendam a Lei da Pureza, que estabelece critérios específicos de qualidade na produção. É uma tentativa de impedir que alguma marca mais popular leve vantagem sobre os concorrentes.
As perspectivas favoráveis à Eisenbahn
1) Valor à marca e preocupação com qualidade
O conceito positivo da Heineken no mercado brasileiro é visto como um aliado para dar mais credibilidade à Eisenbahn, que teria sido de certa forma arranhada com a constante busca por preços baixos e supostas diferenças de sabor – não confirmadas pela empresa – nos últimos tempos de Brasil Kirin.
– A Brasil Kirin entrou na estratégia de brigar por preço e por uma fatia de mercado mais popular, o que não é o caso da Heineken. É só olhar a operação da Heineken no mundo para ver que eles brigam por cerveja de qualidade e não por preço. Eles não pegariam a Eisenbahn para fazer isso – avalia o diretor da Schornstein, Adilson Altrão.
2) Reposicionamento na linha de cervejas especiais
Os preços mais baixos e a popularização da marca têm visões controversas, com alguns citando uma subida de patamar e de alcance de mercado da Eisenbahn e outros criticando uma suposta perda de qualidade ao longo desse processo. Muito dessa estratégia, no entanto, é citada como forma de fazer a Eisenbahn concorrer nas gôndolas com a própria Heineken. Agora, a aposta é de que a cerveja seja deslocada a outra categoria de preço – provavelmente superior, em que a marca despontou como referência na produção cervejeira local.
3) Maior sofisticação e uso de marketing
Se em termos de produto a aposta é de que não haja mudanças, já que a cerveja atende ao padrão de pureza, o histórico da Heineken em trabalhar com marketing de cervejas de alto padrão – a cerveja é famosa por comerciais premiados e que viralizam na internet – é outro fator positivo apontado para a blumenauense Eisenbahn após a venda da Kirin para a cervejaria holandesa.
– Está no DNA deles trabalhar no mercado premium. É considerada especial, sem cereais não maltados, sempre posicionaram a marca assim, com uma sofisticação maior no mercado, na identidade visual e campanhas de marketing. Eles sabem fazer isso muito bem e acho que isso pode ter um bom impacto sobre a Eisenbahn – analisa o fundador da Eisenbahn Juliano Mendes.
As projeções que pesam negativamente
1) Incerteza sobre uso da fábrica
No mercado cervejeiro há lideranças que afirmam que a negociação pode resultar até mesmo no fechamento da fábrica de Blumenau. O motivo seria o fato de que boa parte da produção da Eisenbahn já é feita fora da cidade e que o volume pequeno feito na unidade da Rua Bahia poderia não justificar a continuidade da operação. A eventual decisão poderia resultar em alguns postos de trabalho a menos, mas segundo os especialistas não afetaria a imagem da cidade como capital da cerveja. Em outra corrente, Juliano Mendes acredita que os novos proprietários mantenham a marca no formato atual, com produção da demanda excedente nas maiores fábricas do grupo.
– É importante continuar com uma unidade na cidade em que nasceu, nem que seja para fazer produtos mais especiais, que têm volume de venda menor – defende.
2) Demora para mudanças de estratégia e investimento
Por a Eisenbahn ter uma produção menor, a aposta é de que as primeiras definições do planejamento e estratégias da Heineken envolvam as linhas mais populares e que competem entre si, como Kaiser e Schin, para só depois investir nas cervejas especiais como Eisenbahn e Baden Baden.
3) Possíveis mudanças na Oktoberfest
A Brasil Kirin venceu a licitação feita em outubro de 2014 para a cervejaria oficial da Oktoberfest até 2020. Com a aquisição pela Heineken e o aumento na cartela de cervejas, há a possibilidade de mudanças nas marcas oferecidas ao público na festa de outubro.

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