terça-feira, 19 de março de 2019

Físico brasileiro Marcelo Gleiser vence prêmio Templeton, o 'Nobel da espiritualidade'

Cientista é o primeiro da América do Sul a receber a honraria já entregue a Madre Teresa de Calcutá e ao Dalai Lama; ele ganhará cerca de R$ 5,5 milhões
Há mais de 35 anos, o físico se norteia pelo mistério
O físico Marcelo Gleiser, de 60 anos, foi anunciado nesta terça-feira, dia 19, o vencedor do prêmio Templeton, honraria que já foi concedida a Madre Teresa de Calcutá (em 1973) e Dalai Lama (em 2012). O prêmio, uma "espécie de Nobel da espirituralidade", como define o vencedor, é entregue a profissionais que tenham feito "uma contribuição excepcional para afirmar a dimensão espiritual da vida, seja por insights, descoberta ou trabalhos práticos", segundo a Fundação Templeton.

A honraria — no valor de 1,1 milhão de libras esterlinas (cerca de R$ 5,5 milhões) — será entregue oficialmente numa cerimônia em Nova York, no dia 29 de maio. Trata-se de um reconhecimento pelos 35 anos de trabalho do físico e cosmólogo nascido no Rio e radicado nos Estados Unidos. Gleiser é professor de Física e Astronomia e ocupa a cátedra Appleton de Filosofia Natural no Dartmouth College, em Hanover, nos EUA.

Sobre o Templeton, ele explica, não se trata de um prêmio de religião.
O cientista carioca Marcelo Gleiser, professor de Física e Astronomia que ocupa a cátedra Appleton de Filosofia Natural no Dartmouth College, em Hanover, nos EUA Foto: Divulgação
— Quando se fala em religião, pensamos em algo institucionalizado, como cristianismo, islamismo e budismo, por exemplo. Espiritualidade é um termo muito mais amplo que tem a ver com a nossa relação com o mistério da existência e que transcende questões como: "Em que Deus você acredita?" ou "Que igreja você frequenta?". Por espiritualidade, entendemos a relação do ser humano com o mistério da existência — disse Gleiser ao GLOBO por telefone, de Hanover.

O físico conta que, na comunidade científica, há "ateus ferrenhos, que acham espiritualidade e religião uma perda de tempo" e também cientistas que são "religiosos ortodoxos, cristãos, muçulmanos, judeus, budistas, pessoas que acreditam quanto mais entendem a natureza mais entendem a criação divina".

— No meu trabalho como cientista, minha pesquisa é muito mais ligada a questões fundamentais sobre a origem do universo, a origem da vida, do que sobre como criar um microchip melhor para fazer um iPhone funcionar mais rápido, por exemplo. Minhas questões são mais existenciais — explica Gleiser. — O grande ponto é que hoje em dia é possível trabalhar em ciência e em questões que tenham uma natureza filosófica, sobre o significado da vida, da nossa relação com a natureza. É nessa parte que eu me encaixo.

Ao anunciar o prêmio, a presidente da Fundação Templeton, Heather Templeton Dill, disse que Gleiser incorpora os valores que inspiraram seu avô (John Templeton) a criar o prêmio e a instituição. Segundo Heather, o trabalho do cientista brasileiro incorpora dois valores especialmente importantes para a fundação: "a busca da alegria em todos os aspectos da vida e a profunda experiência humana de maravilhamento e contemplação".

"Ele mantém a mesma sensação de maravilhamento contemplativo que experimentou pela primeira vez quando criança na praia de Copacabana, contemplando o horizonte ou o céu noturno estrelado, curioso sobre o que está além", acrescentou Heather, em texto divulgado pela instituição.

'Engajamento com o mistério'
Um dos mais conhecidos cientistas brasileiros, Gleiser rejeita a noção de que exclusivamente a ciência pode chegar a verdades sobre a realidade. O físico, por outro lado, diz que, por meio de seus escritos, tenta "colocar a ciência como uma ferramenta de nossa busca por um entendimento maior da condição humana". Para ele, a ciência é "o engajamento com o mistério"

Formado em Física pela PUC do Rio de Janeiro (em 1981), tornou-se doutor em física teórica pelo King's College de Londres (em 1986). Aos 32 anos, Gleiser foi nomeado professor assistente de Física e Astronomia em Dartmouth e, aos 39, tornou-se professor titular do posto. Escreveu cinco livros em inglês e nove em português. Neles, está presente seu crescente ceticismo quanto à busca pela perfeição matemática na natureza. Ao contrário, o físico insta o leitor a uma celebração da imperfeição, da assimetria e do desequilíbrio como poderes criativos na natureza.

Fonte: oglobo.globo.com

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