domingo, 16 de junho de 2019

BACTÉRIAS RESISTENTES: Antibióticos, novos tipos desse medicamento precisam ser criados

Humanidade pode voltar a morrer com 50 ou 60 anos se isso não for feito, alertou Nobel de Química; mau uso dos medicamentos é fator de risco
O surgimento de bactérias mais resistentes tem a ver com a seleção natural: expostos aos antibióticos, um grupo pequeno de micro-organismos mais fortes pode sobreviver e posteriormente se reproduzir. Ao se reproduzirem, essas bactérias aumentam a população resistente Foto: Arek Socha/Pixabay
Recentemente, a cientista israelense Ada Yonath, ganhadora do Nobel de Química pela descoberta da estrutura e da função do ribossomo – posteriormente, suas equipes revelaram como alguns antibióticos eliminam as bactérias ligando-se aos seus ribossomos e impedindo-os de produzir proteínas – participou de um evento chamado O Futuro do Envelhecimento, em Madri, na Espanha. Ao tratar do assunto em entrevista ao jornal “El País”, ela alertou: “Se não criarmos novos antibióticos, as pessoas morrerão aos 50 ou 60 anos, como antes”.

A fala da cientista reforça um alerta que já foi feito pela Organização Mundial de Saúde (OMS): a humanidade estaria próxima do perigo de voltar a morrer por infecções que há muito são tratadas eficientemente com antibióticos, uma vez que os micro-organismos estão cada vez mais resistentes a esses medicamentos.
Ada Yonath enfatizou que é preciso que os produtores de medicamentos mudem de postura. “Os laboratórios não querem sintetizar novos antibióticos, porque são muito caros de fabricar, são vendidos muito baratos e são usados durante poucos dias, não como outros tratamentos caros, como os do câncer. E há resistências, porque as bactérias são espertas, encontram o caminho para sobreviver”, disse.

O professor Marcio Dias, do Instituto de Ciências Biomédicas da USP, corrobora a visão de Ada. Ele coordena uma pesquisa que identificou uma enzima capaz de alterar as propriedades de moléculas usadas como antibióticos, fazendo-os superar a resistência das bactérias. “A abordagem que trabalhamos nesse caso específico é pegar as rotas biossintéticas que produzem antibióticos e tentar modificar essa rota, alterá-la adicionando pequenos grupos químicos em regiões específicas e fazendo com que a bactéria patogênica se torne incapaz inativá-lo, e assim acaba morrendo”, explica ele, que também atua em pesquisas que lidam especificamente com a resistência de bactérias causadoras da tuberculose e com o desenvolvimento de novos medicamentos para essa doença.

Assim como a Nobel de Química, ele vê desinteresse da indústria farmacêutica em investir nesse tipo de tecnologia. “A gente tenta, faz a nossa parte, que é desenvolver novas moléculas, novas alternativas de terapias. Mas fazer a transposição da academia para a indústria... Principalmente no Brasil, aqui, estamos constantemente buscando apoio, mas há poucos interessados em investir. Na Europa essa associação está mais consolidada”, pontua.

A professora da Faculdade de Farmácia da UFMG Mariana Gonzaga acrescenta que o baixo valor mercadológico desses medicamentos está entre as principais causas desse desinteresse. “Hoje, o principal interesse da indústria são tratamentos para o câncer. Temos um ‘gap’ de décadas sem lançamento de antimicrobianos. O número de pessoas afetadas pelas bactérias resistentes ainda é baixo, por isso eles não consideram um investimento rentável, porém, em 20 ou 30 anos isso pode se tornar um grande problema”, afirma.

A redução no número de novos antibióticos aprovados nos Estados Unidos nos últimos 30 anos demonstra o baixo interesse da indústria: enquanto na década de 80, 30 novos antibióticos foram aprovados pela Food and Drug Administration (FDA), a agência reguladora norte-americana, somente sete foram registrados entre 2000 e 2009.

Agravante. No entanto, a professora não acredita que esse seja o principal problema, mas, sim, a falta de entendimento das pessoas quanto à seriedade do risco que o mau uso dos antibióticos representa, afinal é isso o que torna as bactérias resistentes. “Há uma demanda grande por antibióticos. No Brasil isso é muito cobrado do prescritor, as pessoas vão ao médico com dor de garganta, sinusite e se não saem com prescrição de antibiótico não ficam satisfeitas. Em outros países, como o Canadá e a Nova Zelândia, é o contrário. Se o prescritor indica, as pessoas questionam se precisam mesmo daquilo, justamente porque entendem o raciocínio por trás do desenvolvimento de bactérias resistentes”, pondera.

O surgimento de bactérias mais resistentes tem a ver com teoria da seleção natural das espécies elaborada por Charles Darwin (1809-1882). Expostos aos antibióticos, um grupo pequeno de micro-organismos mais fortes pode sobreviver e posteriormente se reproduzir. Ao se reproduzirem, essas bactérias aumentam a população resistente e aí é que mora o perigo.

Mudança no comportamento da população é a chave para o problema No início do ano, o senador Guaracy Silveira (PSL/TO) apresentou um projeto de lei que propunha que, em localidades onde não haja acesso a serviço de saúde pública regular, os antibióticos pudessem ser adquiridos sem a necessidade de apresentação de receita. Para a professora da Faculdade de Farmácia da UFMG Mariana Gonzaga, uma atitude como essa é o oposto do que precisa ser feito. “Esse tipo de coisa me assusta muito porque sou da época em que a prescrição não era necessária e todos os dias via alguém comprando antibiótico sem precisar. A necessidade da receita é uma ferramenta importante e sua manutenção é o caminho”, afirma.

Ela é uma das autoras da Diretriz Nacional para Elaboração de Programa de Gerenciamento do Uso de Antimicrobianos em Serviços de Saúde, lançada em 2017 com o objetivo de orientar os profissionais dos serviços de saúde (hospitais e atenção básica) na elaboração e implementação de programas de gerenciamento do uso desses medicamentos.

Mais do que isso, é preciso que a população entenda que antibióticos também podem fazer mal. “Além de viabilizar a criação de resistência entre os micro-organismos, o uso equivocado interfere diretamente no equilíbrio do corpo, que tem mais bactérias do que células. Ao tomar o antibiótico sem precisar, a pessoa pode matar seres que são benéficos pra ela. Por isso, há casos, por exemplo, de crianças que tratam dor de garganta com esses medicamentos e acabam desenvolvendo diarreia, pois interferem nas bactérias do intestino”, explica.

O farmacêutico Bruno de Oliveira Bicalho trabalha em uma drogaria de Belo Horizonte e conta que diariamente ouve pessoas dizendo que conseguem adquirir os medicamentos sem prescrição quando querem. “Também é comum eu ouvir relatos sobre o uso de sobras de outros tratamentos, seja deles mesmos ou de terceiros. Esse uso inadequado pode até mascarar os sintomas por um tempo, mas vai fazer as bactérias fortes serem selecionadas e a infecção pode voltar muito mais intensa”, observa.

Fonte: O Tempo



















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