Jogo do ‘Tigrinho’ pode ser classificado como “jogo de azar”, segundo advogado ouvido pela TN, uma vez que o usuário depende exclusivamente da sorte para vencer| FOTO: ALEX RÉGIS |
Por redação Tribuna do Norte
Repórter: Ícaro Carvalho
Tudo começou de maneira despretensiosa após um amigo chamar para “ganhar dinheiro”. Em poucos cliques, um motoboy potiguar de 40 anos logo injetou R$ 100 na plataforma “Fortune Tiger”, o popular jogo do ‘Tigrinho’. No começo, os ganhos aconteceram, chegando a R$ 15 mil, mas logo escorreram pelos dedos em pouco tempo, forçando a criação de uma dívida que hoje chega a R$ 60 mil em tentativas frustradas de recuperar o dinheiro.
Esse é mais um de milhares de casos de potiguares que estão tendo prejuízos milionários com o jogo do ‘Tigrinho’, que tem bombardeado as redes sociais com propagandas e uso de influencers para entrar no cassino online. Há casos de potiguares que perderam mais de R$ 100 mil com esses jogos. Há relatos também de prejuízos mentais, sociais e em alguns casos, suicídios. No Estado, uma influenciadora foi alvo de uma operação da Polícia Civil suspeita de participar de um esquema de pirâmide financeira envolvendo o ‘Tigrinho’.
O motoboy ouvido pela reportagem da TN terá seu nome preservado, mas disse que está “trabalhando de dia e de noite” para pagar os empréstimos feitos em bancos para pagar a dívida.
“Nem conhecia esse jogo. Me inscrevi e depositei R$ 100. Fiquei jogando e juntei R$ 15 mil. Nisso, em vez de ter parado, continuei jogando. Perdi o dinheiro e me desesperei, fiz empréstimos para recuperar e só foi aumentando o prejuízo. No total perdi R$ 62 mil. De lá para cá parei de jogar e estou trabalhando de dia e de noite para pagar e graças a Deus estou conseguindo sair”, disse. Ele disse que tem tentado conscientizar amigos sobre os perigos do vício no jogo. “Aviso a todos para não entrar e digo que é uma furada”, cita.
Um outro potiguar, de 28 anos, chegou a apostar cerca de R$ 200 no ‘Tigrinho’, mas ao ver que se tratava de cassino de difícil obtenção de lucros, abandonou de vez o jogo. “Você entra querendo multiplicar seus ganhos. Tive um prejuízo pequeno comparado a outras pessoas, mas fiquei me sentindo muito mal em jogar esse dinheiro fora. Por isso resolvi parar antes que fosse tarde”, alertou.
Nas redes sociais, são vários os relatos de pessoas que perderam recursos volumosos jogando na plataforma e só conseguem parar após terem prejuízos milionários. Além disso, a vergonha e o adoecimento mental tem sido recorrentes nos usuários, abalados com as perdas financeiras. O que tem chamado a atenção também são operações da Polícia Civil, em vários estados do Brasil, visando prender influenciadores nas redes sociais que indicam o jogo e mostram ganhos irreais na plataforma.
No Rio Grande do Norte, uma influenciadora de 35 anos está sendo investigada pela Polícia Civil e teve celulares e carros de luxo apreendidos numa operação há três semanas. Além disso, o juízo determinou a penhora online de valores depositados nas contas bancárias da influenciadora, após uma análise minuciosa revelar uma movimentação financeira suspeita de grandes somas de dinheiro, sem uma origem claramente definida.
Segundo o advogado Pedro Petta, o jogo do ‘Tigrinho’ pode ser classificado como “jogo de azar”, uma vez que o usuário depende exclusivamente da sorte para vencer. Há casos, inclusive, de pessoas que chegam a acumular recursos nas plataformas e sendo bloqueados logo em seguida, impossibilitando o saque dos ganhos.
“Esse jogo pode ser considerado uma contravenção penal, sendo jogo de azar. Não dá para comparar com as bets de traders esportivos. Essa plataforma divulga falsas vitórias e falsas promessas de retorno financeiro, quando na verdade sabemos que o jogo sempre vai ganhar mais quem está de fato apostando. Isso é que consideramos jogo de azar”, explica o advogado Pedro Petta, presidente da Comissão de Relações do Consumo da OAB-RN.
Psicólogo alerta para riscos do vício em jogo
Apesar de o jogo do ‘Tigrinho’ já estar associado a prejuízos financeiros e estar na mídia de maneira negativa desde o ano passado, com operações da Polícia Civil em vários estados, por quais razões as pessoas ainda insistem em entrar nas plataformas para jogar e tentar arriscar a sorte?
O membro do Conselho Regional de Psicologia do RN (CRP-RN), Rômulo Raulino Santos, psicólogo e especialista em Terapia Cognitivo Comportamental, tem uma explicação. Ele cita que muitos fatores podem contribuir para esta situação, tais como sofrimento psicossocial, ausência de rede de apoio, ocorrência de patologias associadas à compulsão e/ou impulso e até mesmo a sobrecarga de estimulação em mídias digitais retratando o jogo como possibilidade de mudança de vida.
“É muito frequente observar nesses jogos de azar o uso de uma narrativa propagandística que estimula nas pessoas um sentimento de FOMO, ou “Fear of Missing Out” (medo de ficar de fora), que é um fenômeno psicológico cada vez mais prevalente em nossa sociedade conectada. Esse conceito se refere à ansiedade que as pessoas sentem ao imaginarem que outras estão tendo experiências gratificantes das quais elas não estão participando. O FOMO pode ser entendido como uma distorção cognitiva, onde os indivíduos tendem a superestimar os aspectos positivos das experiências alheias e subestimar os próprios”, analista.
Este sentimento mencionado pelo psicólogo é justamente o que tem bombardeado as redes sociais nos últimos meses, com influencers divulgando o jogo do ‘Tigrinho’ com expectativas de altos ganhos. Em alguns casos, é mostrado ganhos irreais. A Polícia Civil descobriu que os influenciadores utilizam contas viciadas e programadas pela plataforma para gravar os vídeos fakes.
“Quando alguém está vulnerável e acaba por entrar nas plataformas para apostar, cria-se uma expectativa de ganho rápido e fácil, que dificilmente se realiza (não é possível que todos ganhem). Quando prejuízos vão acontecendo, essa expectativa é rompida, e isso pode gerar mais sentimentos negativos e pensamentos distorcidos, o que agrava o sofrimento”, acrescenta o psicólogo Rômulo Raulino Santos.
Operações em 10 estados
Operações da Polícia Civil e Polícia Federal já foram registradas em pelo menos oito estados brasileiros contra influenciadores que divulgam o jogo. A suspeita nas investigações é de que os influencers são contratados para aliciar novos jogadores e ganham a medida que mais usuários se cadastram por meio dos seus links, num suposto esquema de pirâmide financeira. Além disso, os influencers podem ser denunciados pela divulgação de jogos de azar em vários crimes, desde estelionato, crime contra as relações de consumo e contra o consumidor, propaganda enganosa, crime contra a economia popular, sonegação fiscal.
Em maio, a Polícia Civil de Minas Gerais prendeu um casal de influencers suspeitos de promover o jogo de azar digital. Com viagens para vários países e carros caros, os dois levavam uma vida luxosa e tinham mais de R$ 30 milhões em bens, como imóveis. Eles chegaram a fugir da polícia para o Espírito Santo, onde foram presos.
No Paraná, três pessoas foram presas em dezembro do ano passado suspeito de ter movimentado R$ 12 milhões em 6 meses.
O Jogo
O ‘Fortune Tiger’, conhecido popularmente como jogo do ‘Tigrinho’ é um jogo de apostas e cassino online caracterizado como jogo de azar, desenvolvido pela empresa maltesa PG Soft.
Na prática, o jogo funciona como uma espécie de caça níquel, em que o jogador precisa fazer a combinação de três figuras iguais em três fileiras para ganhar um prêmio em dinheiro. Em determinado momento, o jogo do ‘Tigrinho’ oferece um multiplicador de 10 vezes o valor da aposta em uma rodada bônus ativada de forma aleatória.
Na teoria, os símbolos que aparecem na tela supostamente também são determinantes para o pagamento. Laranja, Foguetes e Envelopes garantem valores baixos. Já Saco de Moedas, Amuleto da Sorte e Lingote de Ouro são os símbolos de pagamentos mais elevados.
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