Exercitando a redação
Dicas de redação - Daniele Barros
Texto 1
Os anos vividos pelo Brasil sob estado de exceção – entre
1964 e 1985 – foram marcados por contínuas violações dos direitos
humanos, por parte do Estado e de seus agentes públicos. Revelações
recentes e esparsas dão alguma medida do horror dos corpos torturados,
dos assassinatos e dos desaparecimentos.
A implantação da
Comissão da Verdade, no Brasil, em gesto que segue o já adotado em
dezenas de países que passaram por regimes de exceção, poderá vir a ser o
marco de uma virada histórica. Para os familiares dos desaparecidos,
para os que viveram a experiência da resistência e para o país em seu
conjunto. Em especial para as gerações que não viveram – e, espero, não
venham a viver – o horror de serem governadas por ditadores. Elas
poderão construir suas interpretações próprias a respeito da história
recente do país, com base em uma narrativa que retira do silêncio
experiências cruciais para o entendimento a respeito do que somos como
nação.
(Renata Lessa. Sobre a verdade. Ciência Hoje, junho de 2012. Adaptado.)
Texto 2
O
objeto da Comissão da Verdade deve, sim, tratar dos crimes e dos
desaparecimentos perpetrados pelos agentes do Estado ditatorial. É sua
tarefa precípua e estatutária. Mas não pode se reduzir a estes fatos. Há
o risco de os juízos serem pontuais. Precisa-se analisar o contexto
maior, que permite entender a lógica da violência estatal e que explica a
sistemática produção de vítimas. Mais ainda, deixa claro o trauma
nacional que significou viver sob suspeitas, denúncias, espionagem e
medo paralisador.
Neste sentido, vítimas não foram apenas os que
sentiram em seus corpos e nas suas mentes a truculência dos agentes do
Estado. Vítimas foram todos os cidadãos. Foi toda a nação brasileira.
Para que a missão da Comissão da Verdade seja completa e satisfatória,
caberia a ela fazer um juízo ético-político sobre todo o período do
regime militar.
Os que deram o golpe de Estado devem ser responsabilizados moralmente por esse crime coletivo contra o povo brasileiro.
Os
militares inteligentes e nacionalistas de hoje deveriam dar-se conta de
como foram usados por aquelas elites oligárquicas, que não buscavam
realizar os interesses gerais do Brasil mas, sim, alimentar sua
voracidade particular de acumulação, sob a proteção do regime
autoritário dos militares.
A Comissão da Verdade prestaria
esclarecedor serviço ao país se trouxesse à luz esta trama. Ela
simplesmente cumpriria sua missão de ser Comissão da Verdade. Não apenas
da verdade de fatos individualizados, mas da verdade do fato maior da
dominação de uma classe poderosa, nacional, associada à multinacional,
para, sob a égide do poder discricionário dos militares, tranquilamente,
realizar seus objetivos corporativos. Isso nos custou 21 anos de
privação da liberdade, muitos mortos e desaparecidos, muito padecimento
coletivo.
(Leonardo Boff. 1964: Golpe militar a serviço do golpe de classe. <www.jb.com.br>. Adaptado.)
Com
base nos textos apresentados e em seus próprios conhecimentos, redija
um texto dissertativo, obedecendo à norma-padrão da língua portuguesa,
sobre o tema:
Comissão da Verdade: que verdade alcançar?
Resposta da questão:
A
elaboração de uma dissertação reflexiva sobre o tema “Comissão da
Verdade: que verdade alcançar?” deve apoiar-se na coletânea de textos
que faz parte do enunciado. Dos quatro apresentados, apenas o último
revela restrições ao correto desempenho da comissão que deverá
investigar os crimes cometidos no Brasil durante o período da ditadura
instaurada pelo golpe militar de 1964. No primeiro, a imagem da
personagem Graúna, criada pelo cartunista Henfil, estabelece relação
intertextual com esse período histórico, na medida em que era através
dela que o autor questionava o governo e seu modo de agir. As frases que
acompanham a figura apelam à investigação dos crimes cometidos pela
ditadura para impedir que situações semelhantes possam acontecer de novo
e consolidar definitivamente a democracia.
No segundo texto,
Renata Lessa reconhece a pertinência da instalação da comissão para
apuração de fatos, pois considera que serão de grande valia não só para
os sobreviventes e familiares dos desaparecidos, mas também para as
gerações que não viveram esse período como forma de aprendizado sobre a
história do seu país. No terceiro, Leonardo Boff alerta para a
necessidade de analisar o assunto de uma forma mais abrangente, a fim de
se entender a lógica de um sistema político que provocou esses crimes,
envolvendo todos os cidadãos. Segundo ele, os militares que deram o
golpe não defendiam os interesses do país, mas os das elites
oligárquicas e das corporações a quem serviram de instrumento.
No
último, Ives Gandra Silva Martins alerta para a provável parcialidade
da investigação, já que a comissão da verdade não tem rigor científico
por não contar com a colaboração de um historiador e as pessoas
delegadas terem estado envolvidas nos acontecimentos. Considera ainda
que os oponentes do regime tinham proximidade ideológica com regimes
ditatoriais o que os tornaria avessos a sistemas democráticos.
Assim,
a tese deveria encaminhar-se no sentido de defender a pertinência em
apurar a verdade para que situações como aquelas não sejam repetidas ou
rejeitar um processo que nem poderá analisar corretamente a situação,
nem reverter os fatos dolorosos do passado.Qualquer posição deverá ser
justificada através de argumentos pertinentes e a conclusão, coerente
com a tese apresentada.
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