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sábado, 28 de setembro de 2013

Exercitando a redação

Dicas de redação - Daniele Barros

Texto 1
Os anos vividos pelo Brasil sob estado de exceção – entre 1964 e 1985 – foram marcados por contínuas violações dos direitos humanos, por parte do Estado e de seus agentes públicos. Revelações recentes e esparsas dão alguma medida do horror dos corpos torturados, dos assassinatos e dos desaparecimentos.

A implantação da Comissão da Verdade, no Brasil, em gesto que segue o já adotado em dezenas de países que passaram por regimes de exceção, poderá vir a ser o marco de uma virada histórica. Para os familiares dos desaparecidos, para os que viveram a experiência da resistência e para o país em seu conjunto. Em especial para as gerações que não viveram – e, espero, não venham a viver – o horror de serem governadas por ditadores. Elas poderão construir suas interpretações próprias a respeito da história recente do país, com base em uma narrativa que retira do silêncio experiências cruciais para o entendimento a respeito do que somos como nação.

(Renata Lessa. Sobre a verdade. Ciência Hoje, junho de 2012. Adaptado.)

Texto 2

O objeto da Comissão da Verdade deve, sim, tratar dos crimes e dos desaparecimentos perpetrados pelos agentes do Estado ditatorial. É sua tarefa precípua e estatutária. Mas não pode se reduzir a estes fatos. Há o risco de os juízos serem pontuais. Precisa-se analisar o contexto maior, que permite entender a lógica da violência estatal e que explica a sistemática produção de vítimas. Mais ainda, deixa claro o trauma nacional que significou viver sob suspeitas, denúncias, espionagem e medo paralisador.

Neste sentido, vítimas não foram apenas os que sentiram em seus corpos e nas suas mentes a truculência dos agentes do Estado. Vítimas foram todos os cidadãos. Foi toda a nação brasileira. Para que a missão da Comissão da Verdade seja completa e satisfatória, caberia a ela fazer um juízo ético-político sobre todo o período do regime militar.

Os que deram o golpe de Estado devem ser responsabilizados moralmente por esse crime coletivo contra o povo brasileiro.

Os militares inteligentes e nacionalistas de hoje deveriam dar-se conta de como foram usados por aquelas elites oligárquicas, que não buscavam realizar os interesses gerais do Brasil mas, sim, alimentar sua voracidade particular de acumulação, sob a proteção do regime autoritário dos militares.

A Comissão da Verdade prestaria esclarecedor serviço ao país se trouxesse à luz esta trama. Ela simplesmente cumpriria sua missão de ser Comissão da Verdade. Não apenas da verdade de fatos individualizados, mas da verdade do fato maior da dominação de uma classe poderosa, nacional, associada à multinacional, para, sob a égide do poder discricionário dos militares, tranquilamente, realizar seus objetivos corporativos. Isso nos custou 21 anos de privação da liberdade, muitos mortos e desaparecidos, muito padecimento coletivo.

(Leonardo Boff. 1964: Golpe militar a serviço do golpe de classe. <www.jb.com.br>. Adaptado.)

Com base nos textos apresentados e em seus próprios conhecimentos, redija um texto dissertativo, obedecendo à norma-padrão da língua portuguesa, sobre o tema:

Comissão da Verdade: que verdade alcançar? 

Resposta da questão:

A elaboração de uma dissertação reflexiva sobre o tema “Comissão da Verdade: que verdade alcançar?” deve apoiar-se na coletânea de textos que faz parte do enunciado. Dos quatro apresentados, apenas o último revela restrições ao correto desempenho da comissão que deverá investigar os crimes cometidos no Brasil durante o período da ditadura instaurada pelo golpe militar de 1964. No primeiro, a imagem da personagem Graúna, criada pelo cartunista Henfil, estabelece relação intertextual com esse período histórico, na medida em que era através dela que o autor questionava o governo e seu modo de agir. As frases que acompanham a figura apelam à investigação dos crimes cometidos pela ditadura para impedir que situações semelhantes possam acontecer de novo e consolidar definitivamente a democracia.

No segundo texto, Renata Lessa reconhece a pertinência da instalação da comissão para apuração de fatos, pois considera que serão de grande valia não só para os sobreviventes e familiares dos desaparecidos, mas também para as gerações que não viveram esse período como forma de aprendizado sobre a história do seu país. No terceiro, Leonardo Boff alerta para a necessidade de analisar o assunto de uma forma mais abrangente, a fim de se entender a lógica de um sistema político que provocou esses crimes, envolvendo todos os cidadãos. Segundo ele, os militares que deram o golpe não defendiam os interesses do país, mas os das elites oligárquicas e das corporações a quem serviram de instrumento.

No último, Ives Gandra Silva Martins alerta para a provável parcialidade da investigação, já que a comissão da verdade não tem rigor científico por não contar com a colaboração de um historiador e as pessoas delegadas terem estado envolvidas nos acontecimentos. Considera ainda que os oponentes do regime tinham proximidade ideológica com  regimes ditatoriais o que os tornaria avessos a sistemas democráticos.

Assim, a tese deveria encaminhar-se no sentido de defender a pertinência em apurar a verdade para que situações como aquelas não sejam repetidas ou rejeitar um processo que nem poderá analisar corretamente a situação, nem reverter os fatos dolorosos do passado.Qualquer posição deverá ser justificada através de argumentos pertinentes e a conclusão, coerente com a tese apresentada.

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