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sábado, 3 de setembro de 2016

TCU constata desvio de 22 milhões em projeto de Nocolelis no RN

Da Folha:
TCU vê ‘irregularidades graves’ em complexo de Miguel Nicolelis
GIULIANA MIRANDA 

COLABORAÇÃO PARA A FOLHA


Uma auditoria do TCU (Tribunal de Contas da União) encontrou “irregularidades graves” no megacomplexo científico Campus do Cérebro, no Rio Grande do Norte.

O projeto, idealizado pelo neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis e orçado em R$ 247 milhões provenientes de recursos públicos, está com as obras paradas há mais de um ano.

O Campus do Cérebro já recebeu cerca de R$ 57 milhões. O objetivo era criar um grande polo de ciência, educação e saúde em Macaíba, no Rio Grande do Norte.

A falta de transparência na concepção e a ausência de rigor técnico no orçamento são alguns dos problemas apresentados na auditoria.

Para o TCU, o contrato que estabelece a criação do Campus do Cérebro não é claro em dizer o que é o complexo.

O documento diz também que o orçamento não teve suficiente embasamento técnico para justificar os valores e destaca que, em um intervalo de poucos dias, houve aumento de R$ 22 milhões –um salto de quase 10%.

O projeto era uma parceria entre UFRN (Universidade Federal do Rio do Norte), Ministério da Educação e Aasdap (Associação Alberto Santos Dumont para Apoio à Pesquisa, criada por Nicolelis).

Em 2003, essa “joint venture” havia sido bem sucedida, com a criação do Instituto Internacional de Neurociências de Natal. Liderado por Nicolelis, o IINN é o embrião e uma parte importante do Campus do Cérebro. 

Uma forte divisão entre cientistas em 2011, porém, levou uma alteração nos rumos do projeto. Pesquisadores vinculados à UFRN se desligaram da iniciativa –alguns afirmaram publicamente que Nicolelis dificultava o acesso a equipamentos, entre outros problemas– e criaram um instituto de neurociências próprio para a universidade, o Instituto do Cérebro, dirigido por Sidarta Ribeiro.

Com a mudança na parceria com a UFRN, foi preciso um novo vínculo. A Aasdap, não poderia assinar o contrato de gestão por não ter a natureza jurídica adequada. No documento, ela é substituída pelo ISD (Instituto de Ensino e Pesquisa Alberto Santos Dumont), organização social com nome, funções e pessoal muito semelhantes à antecessora.

Segundo os técnicos do TCU, criou-se um cenário de sobreposição jurídica, em que várias funções, patrimônios e recursos da Aasdap e do ISD se confundiam. Para o tribunal, esse cenário pode causar dificuldades de fiscalização do dinheiro público.

O ISD mantém um posto de saúde que é referência em Macaíba, na região do Campus do Cérebro, e três centros de educação científica (dois no Rio Grande do Norte e um na Bahia) que atendem cerca de 1,4 mil alunos.

O contrato teria outros problemas. Em julho de 2014, ele foi publicado no “Diário Oficial” pelo MEC em apenas um parágrafo e omitindo o custo de R$ 247 milhões. O TCU pede que o MEC publique o documento na íntegra.

PATENTES

Pelo atual contrato de gestão, eventuais patentes geradas pertencerão apenas ao ISD, apesar dos recursos públicos. O TCU pede inclusão do poder público na partilha.

O complexo tinha previsão inicial de inauguração em 2015, depois adiada para o segundo semestre de 2016. Os técnicos do TCU alertam para os riscos ao patrimônio que já foi construído e o “potencial grave de se tornar um ‘elefante branco'”.

O tribunal deu 180 dias para o Ministério da Educação, o ISD e a UFRN se pronunciarem sobre as determinações.

OUTRO LADO 
Por meio de sua assessoria, o ISD (Instituto Santos Dumont) afirmou que “atua em conjunto com a UFRN e o MEC para o atendimento de todos os pontos levantados dentro do relatório”. O instituto diz que já foi acordada uma mudança na questão das patentes e que a organização dividirá os direitos patrimoniais com o poder público.

Quanto à questão do orçamento, o ISD diz que eles sofrem revisões anuais dentro da lei e que os gastos com pessoal têm se mantido dentro dos gastos legais e foram aprovados pelo conselho de administração.

O instituto disse ainda que as eventuais sobreposições entre o ISD e a Aasdp foram objeto de um grupo de trabalho instituído pelo MEC no ano passado e que todas as questões levantadas já foram solucionadas.

Procurado, o Ministério da Educação afirmou em nota que está “avaliando, junto ao setor jurídico, as respostas para o Tribunal de Contas da União” e que se encontra dentro do prazo de 180 dias para responder.

A UFRN reiterou a cooperação entre as instituições para resolver as questões apontadas pelo TCU. A universidade afirmou que as obras estão paradas por decisão judicial que impede novas contratações e licitações até que todos os projetos técnicos necessários existam.

Devido ao “risco para o patrimônio em razão da possível demora”, a universidade disse ter entrado com um recurso para contratar obras de preservação –infraestrutura de água, esgoto e energia.

LINHA DO TEMPO

1995 

Sidarta Ribeiro, Cláudio Mello e Sergio Neuenschwander começam movimento para repatriar neurocientistas brasileiros no exterior e criar um polo de neurociência no Rio Grande do Norte

2003 

Parceria da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte) e Miguel Nicolelis para criar o Instituto Internacional de Neurociências de Natal

2004 

Inserção da Finep e concessão, pela UFRN, do terreno em Macaíba (RN)

2006 

Assinatura do contrato de gestão do projeto

2009 

Licitação para a construção

Fevereiro de 2011 

Nicolelis anuncia publicamente seus planos de expandir o IINN e criar o megaprojeto do Campus do Cérebro, com centro de pesquisa, escola e unidade de saúde

Fim de 2011 

Professores da UFRN e do IINN abandonam o projeto para fundar seu próprio instituto de pesquisa. A justificativa é de que Nicolelis não permitia acesso a equipamentos de pesquisa

Julho de 2014 

Novo contrato de gestão é firmado. MEC omite, no diário oficial, o valor do projeto do Campus do Cérebro: R$ 247 mi

Dezembro 2014 

SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) questiona MEC por investir tanto no Campus do Cérebro

Maio de 2015 

TCU aponta irregularidades no projeto no RN

Fonte: Thaisa Galvão

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