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sexta-feira, 24 de agosto de 2018

A ponte que simboliza o desespero do êxodo venezuelano

Crise na Venezuela tem provocado uma das maiores migrações em massa da história do continente; ponte na fronteira com Colômbia se tornou símbolo do êxodo de pessoas em busca de trabalho, comida e atendimento médico.
Ponte que liga San Antonio del Táchira, na Venezuela, a Villa Del Rosario, do lado colombiano, se tornou símbolo do êxodo de venezuelanos (Foto: Carlos Eduardo Ramirez/Reuters)
A crise humanitária na Venezuela provocou uma das maiores migrações em massa da história da América Latina.

O presidente, Nicolás Maduro, culpa a quem chama de os "imperialistas"- principalmente os Estados Unidos -, que teriam lançado uma guerra econômica contra a Venezuela ao impor sanções.

Mas críticos dizem, por outro lado, que a crise é resultado de má gestão por Maduro e seu antecessor, Hugo Chávez.

A Venezuela tem uma das maiores reservas de petróleo do mundo. Já foi um país tão rico que o Concorde (avião supersônico de passageiros) costumava voar de Caracas para Paris.

Agora, quatro em cinco venezuelanos vivem na pobreza, e é comum que as pessoas precisem ficar horas na fila para comprar comida. Há gente morrendo por falta de medicamento. A inflação alcançou 82.766% e pode chegar a um milhão por cento até o final do ano, segundo estimativas do Fundo Monetário Internacional (FMI).

Diante desse cenário, os venezuelanos querem sair do país em busca de melhores condições. Segundo as Nações Unidas, 2,3 milhões de pessoas deixaram a Venezuela, o que representa 7% da população. Mais de um milhão chegaram à Colômbia nos últimos 18 meses.

Muitos deles cruzaram a Ponte Internacional Simón Bolívar, que tem 300 metros de cumprimento e 5 metros de largura. Ela se estende sobre o rio Táchira, no leste dos Andes, que corre ao longo da fronteira entre a Colômbia e a Venezuela.

As duas pequenas cidades que o rio conecta são San Antonio del Táchira, do lado venezuelano, e Villa Del Rosario, na Colômbia. Por mais próximas que estejam, estão em dois mundos completamente diferentes.

A passagem:
Os colombianos raramente cruzam a fronteira para fazer compras na Venezuela, como costumavam fazer. O tráfego é quase totalmente de uma única direção.

Todos os dias às 5h no horário da Colômbia (6h no da Venezuela), o som de um portão se arrastando pelo asfalto quebra o silêncio e marca a abertura da ponte para os pedestres.


A fila da Venezuela para a Colômbia vai se formando ao longo da madrugada. Quando o portão se abre, a imagem se parece com a de atletas disparando após o sinal de partida. Cada um tenta chegar ao outro lado o mais rápido possível.

Algumas pessoas são paradas por guardas e ordenadas a abrir sacolas e bagagens. A maioria cumpre as ordens sem protestar, mas é possível ver o pânico no rosto de alguns quando percebem que serão pegos.
O tráfego na ponte da fronteira entre Colômbia e Venezuela é quase totalmente numa única direção. São raros os colombianos que atravessam para o outro lado (Foto: Katy Watson/BBC News)
Na Venezuela com a economia em crise, há incentivo para contrabandear produtos como carne e queijo para a Colômbia, para que sejam vendidos a preços maiores. A maioria dos que fazem isso não são grandes criminosos, mas sim venezuelanos desesperados para conseguir dinheiro para comprar produtos básicos.

Uma mulher cuja carne foi confiscada se lamenta: "O que eu posso fazer?". O guarda responde: "Esse é um corredor humanitário. Você pode levar comida para a Venezuela, mas não tirar de lá." E a cena se repete ao longo do dia.

Aqueles com nada a declarar - ou os sortudos que não são parados - continuam a travessia. O som das rodinhas das malas é a trilha sonora dessa ponte.

Quando você chega até o outro lado da ponte, alcança o que é chamado de "La Parada" (A parada). É uma comunidade que lucra com transações de fronteira - ambulantes, farmácias, lojas, empresas de ônibus. Todos querem oferecer seus serviços para quem acaba de chegar.

A maioria desses comerciantes era colombiana, mas os venezuelanos começaram a abrir suas lojas e vender bens num país onde a moeda não está tão desvalorizada.

O corte de cabelo
Bem do outro lado da ponte, em meio ao coro de vendedores ambulantes, um homem grita: "Quem quer vender o cabelo?".

Em cima de um banquinho de plástico, Laura Castellanos espera ser atendida. A jovem de 25 anos tem longos cabelos castanhos. Ela não parece confortável.

Uma mulher se posiciona atrás dela, com a tesoura em mãos. Laura está prestes a perder a maior parte do cabelo.

Ela carrega no colo a filha de dois meses, Paula. A criança está envolvida num cobertor e usa um chapeuzinho rosa. Ela boceja enquanto aguarda pacientemente nos braços da mãe, inconsciente do caos da fronteira, ao seu redor.
Laura Castellanos vendeu o cabelo para comprar injeções de insulina para a sua filha mais velha (Foto: Katy Watson/BBC News)

O marido de Laura, Jhon Acevedo, está por perto tomando conta das outras duas filhas do casal.

A mulher responsável pelo serviço começa a cortar o cabelo da jovem, bem perto da raiz. Ela não quer conversa. É quase como se estivesse envergonhada.
Laura e o marido contam que é difícil achar medicamentos na Venezuela. Por isso, precisam cruzar a fronteira em busca de insulina para a filha mais velha (Foto: Katy Watson/BBC News)
A cada tesourada, ela entrega um tufo de cabelo para outra mulher que está de pé ao lado. O comprador do cabelo não diz nada, vira o rosto. Parece uma simples transação. Nada mais.

Laura está recebendo 30.000 pesos (US$ 10 ou R$ 40,5) pelo cabelo. Ele será vendido para fazer apliques ou perucas.

"É a primeira vez que eu fiz isso", diz ela, demonstrando uma mistura de ansiedade e vergonha. Ela chegou naquele mesmo dia da cidade de Rubio, a cerca de uma hora da fronteira.

Está vendendo o cabelo porque Andrea, a filha mais velha, de 8 anos, tem diabetes e a família precisa juntar dinheiro para comprar a insulina que ela usa três vezes ao dia. Faz três dias que a menina não toma a injeção.

"Não tem remédio, é muito difícil", diz Laura. "As pessoas estão morrendo na Venezuela porque não conseguem os medicamentos."

Depois do corte de cabelo, a família sai em busca de uma farmácia. À primeira vista você não diz que Laura teve a maior parte do cabelo removido. A "cabelereira" deixou uma fina camada de cabelo no topo, para disfarçar. Laura admite estar se sentindo um pouco triste.

"Pelo menos vai servir para alguma coisa", ela diz. O marido, Jhon, diz que eles estão procurando por uma farmácia "pirata"- uma banca informal que vende remédios em potes de plástico nas ruas. Canetas de insulina serão mais baratas lá que numa farmácia normal.

Fonte: www.bbc.com

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