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quinta-feira, 4 de março de 2021

Morre Jonathan Neves, o Tim Maia da Paulista, de Covid-19, aos 31 anos

Vítima da covid, Jonathan 'Tim Maia' da Paulista foi astro de milhares.
O artista Jonathan Neves morava em uma casa pobre em Taboão da Serra, na grande São Paulo, e embarcava em um ônibus que demorava duas horas para chegar na Avenida Paulista quando decidiu se tornar artista. O trajeto era tamanho que lembrava uma viagem rodoviária. O veículo tinha assentos estofados, bagageiros e apenas a porta dianteira para o embarque. Por entre as pernas ou no assento ao lado iam o equipamento de som e uma mochila de Jonathan, onde carregava uma garrafa d'água, um tripé desmontado.

A casa onde morava com a família tinha um quarto reservado para ele. Pelo chão, havia centenas de cabos, ferramentas, CDs velhos. O artista fazia a manutenção do equipamento de som: duas caixas com rodinhas. O cômodo apertado dava impressão de que Jonathan, um homem grande, era ainda maior. Na parede havia um colchão encostado e o espaço tinha pouca privacidade. Parentes entravam e saíam do cômodo. Lá ele dormia, e de lá saía para fazer os shows em São Paulo. Por volta de 2017, ele largou o emprego na área logística de uma empresa de embutidos e começou a se apresentar com músicas da Legião Urbana na Avenida Paulista e na República, no centro de São Paulo.

A voz de Jonathan não era grave ao conversar e mudava de maneira impressionante quando cantava. Era fácil confundi-lo com o próprio Renato Russo, mesmo com esforço para distinguí-los.
Nas apresentações, Jonathan surpreendia também por não usar enfeites ou placas, parecia vestir uma camiseta menor do que seu número e não agitava o público. Olhava para o nada e dava uma joinha breve quando recebia um trocado. Ele apenas cantava — mas quando cantava conseguia mobilizar dezenas de paulistanos apressados, que formavam uma roda ao seu redor. 

A Avenida Paulista aos domingos e feriados é aberta para a circulação de pedestres, e Jonathan foi absorvido pelo mundo quase fantástico dos artistas que se apresentam por ali —um elenco que remete aos circos. Mágicos, hipnólogos, bailarinos, kpopers, guitarristas, metaleiros, violonistas profissionais, jazzistas e covers de Michael Jackson criam em volta de si grandes grupos de espectadores com suas doações lançadas em chapéus, caixas e estojos de violão.

Entre tantos artistas, Jonathan se sobressaiu e virou presa fácil dos jornalistas como eu. Passei um dia na casa dele, fiz o trajeto de ônibus, e o ouvi cantar na República, em 2017, e na Paulista nos anos seguintes. O artista era ainda tímido, e parecia ser assim no dia a dia. Foi difícil extrair informações. As filmagens não foram ao ar, mas nem seria preciso.

Em 2019, ele sentiu que a voz estava rouca demais para cantar Legião Urbana, seu grupo favorito. Arriscou um Tim Maia e foi sucesso. "Você deveria investir no Tim", disseram os colegas da rua. A voz grave e o biotipo ajudariam no restante.
Jonathan Neves na turnê 'Tributo ao Síndico' Imagem: Luis Felipe Matos/Divulgação.
Como Tim, ele passou a se sentir mais confiante. Mudou as roupas e aderiu às camisetas largas, reluzentes e ao bigode grosso do cantor. Virou mais brincalhão e experiente com o público.

Em maio de 2019, um produtor de eventos o ouviu cantar e cochichou com um colega. "Esse cara só pode estar dublando", disse. Jhonatan se virou e disse. "Não estou, não". Franklin Siqueira, 28, riu da resposta ao seu comentário e se aproximou do cantor. O artista cantava, então, o verso de "Paixão Antiga" que diz "basta um encontro por acaso e pronto, começa tudo outra vez".


Franklin o incentivou a investir mais nas redes sociais e passou a administrá-las para o amigo. Além disso, levou sua mãe para assisti-lo. Jhonatan se apaixonou por ela, e os dois começaram um namoro. Com o dinheiro das apresentações, alugou uma casa só para ele em Taboão. A namorada abandonou o emprego registrado para agenciá-lo na carreira.

Franklin ajudou a cuidar da imagem do "Tim Maia da Paulista". Eles treinaram novas maneiras de dar entrevista à imprensa e de manter as publicações nas redes. A rua era uma porta de entrada para mais seguidores e contratos para apresentações maiores.

Em 2019, uma produtora de Porto Alegre convidou o artista para participar de uma turnê por todo o país como Síndico. Ele teria iluminação, sistema de som profissional e mais onze músicos para acompanhá-lo. "Tínhamos shows em São Paulo, Curitiba, Campinas, Porto Alegre", diz Franklin. Uma amostra da apresentação em estúdio foi divulgada no Youtube e gerou milhares de visualizações. Talvez no registro mais bem filmado da carreira, Johnatan canta "Primavera", "Não quero dinheiro" e "Azul da cor do mar".
Mas veio a pandemia. Todos os planos foram cancelados. O espetáculo iria estrear em março, na mesma semana do início do isolamento social. A Paulista também deixou de ficar aberta para os pedestres.

Assim que restaurantes e pequenos eventos foram liberados, Johnatan se apresentava aqui e ali para pagar o aluguel. No segundo semestre de 2020, retomou aos poucos a agenda na Paulista. As apresentações se concentraram no Conjunto Nacional, próximo à estação Consolação do Metrô. A última aparição na TV foi no início de fevereiro.

Até a última daquele mês, o Tim Maia da Paulista se apresentou na avenida. No dia 20, sentiu uma leve tosse. No sábado (27), cancelou a apresentação após apresentar sintomas da covid-19. O artista foi internado em um hospital municipal no Campo Limpo, zona sul de São Paulo. Os amigos tentaram transferi-lo para um hospital no centro da cidade, mas os médicos alertaram que o artista estava muito frágil — e havia possibilidade de não conseguir um leito.

No domingo, foi intubado pelos médicos. Na segunda (1), Jonathan Neves morreu vítima do novo coronavírus aos 31 anos. Tímido, foi astro para milhares. No velório em Taboão, restrito a poucos amigos, alguns assistiram às filmagens de Jonathan na avenida e cantaram músicas cantadas por Tim Maia.

"Estou com a ideia de reunir artistas de rua quando for tudo seguro para cantar as músicas que Jonathan, nosso síndico, cantava", diz Franklin, amigo e enteado. "No meio da roda, iremos colocar uma cadeira vazia".

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