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domingo, 3 de abril de 2022

O tangaraense Dom Jaime prepara renúncia e transição para novo arcebispo

Dom Jaime, Arcebispo Metropolitano de Natal
O arcebispo metropolitano de Natal, Dom Jaime Vieira Rocha, está escrevendo sua carta de resignação para deixar o cargo. Em março, ele comemorou 75 anos. A idade é determinada pelo Código de Direito Canônico do Vaticano como limite para que bispos, responsáveis da Cúria Romana ou representantes diplomáticos da Santa Sé, por exemplo, apresentem ao papa o seu pedido de renúncia. Em conversa com a TRIBUNA DO NORTE, Dom Jaime destacou a canonização dos 30 mártires de Cunhaú e Uruaçu, massacrados em terras potiguares no século XVII, como um de seus principais legados à frente da Arquidiocese de Natal.

O arcebispo também falou sobre o processo de transição para o novo bispo e planos para o futuro como bispo emérito. Confira:

De que feitos o sr. mais se orgulha nesse período como arcebispo de Natal?
São 10 anos de atuação em Natal. Natal é a terceira experiência para o meu pastoreio com a missão de bispo: primeiro Caicó, depois Campina Grande e por último aqui. Para mim, uma das coisas mais marcantes foi a canonização dos santos mártires porque eu participei no ano 2000 em Roma da beatificação e esta beatificação foi se desenvolvendo. Quando chega o pontificado do papa Francisco, ele tem muita atenção com esses processos de canonização de santos, sobretudo locais, brasileiros, então os mártires de Cunhaú e Uruaçu foram canonizados com muita rapidez em 2017. Para mim é uma graça muito grande ter sido o bispo que participou da canonização de 30 santos. Depois vivemos a oportunidade de organizar mais a parte administrativa e contábil da arquidiocese, nos submetendo aos marcos regulatórios, tanto federal quanto estadual. Essa parte também é muito importante ser levada em conta.

Foi durante a sua gestão que a Cúria Online foi implementada. Que projeto é esse?
Foi um grande projeto de administração, de organização da vida da Arquidiocese a partir das paróquias e da corresponsabilidade de cada pároco, dentro do sistema de internet, de informática. O bispo tem em suas mãos em tempo real e permanente, todo o quadro da realidade socioeconômica, administrativa, contábil da igreja. Essa parte administrativa fica bem consolidada. Fizemos o possível para deixar a casa arrumada para quem estiver aqui futuramente.

Além disso, que momentos pastorais o sr. se recorda com carinho?
Tivemos a oportunidade do Ano da Misericórdia, com a introdução das portas santas naquele ano em que o papa Francisco proclamou. Criamos santuários em várias partes da Arquidiocese para proporcionar aos fiéis a oportunidade de viver a graça do Ano Santo da Misericórdia. Isso foi muito importante. Em algumas paróquias, nós criamos santuários, foi aberta uma porta santa e ali as pessoas passavam fazendo as suas penitências. Foram muitas conquistas que hoje nós estamos podendo colher. São muitas atividades, muitos momentos bons e eu só tenho a agradecer.

Dom Jaime, como está o processo de renúncia? O sr. está escrevendo a carta?
Já estou escrevendo. A nossa agenda é tão dinâmica, que eu quase não tenho muito tempo, mas vou pensando e vou colocando no papel. Encaminharei a carta com serenidade. É isso que estou fazendo e espero que o papa acolha.

Já existem candidatos a substituí-lo?
Ainda não temos nomes apontados. O regional é formado pelos estados do Rio Grande do Norte, Pernambuco, Paraíba e Alagoas. São quatro arquidioceses e 21 dioceses. Este ano nós temos quatro bispos que atingem os 75 anos. Não significa que ao completar 75 precisa sair imediatamente. Há um período tranquilo onde eu mando a carta, ela chega à Santa Sé, abre-se o processo de sucessão em Natal e o processo vai caminhando. Claro que as pessoas ficam muito atentas, têm muitas conversas, muitos assuntos e isso não tem muita solidez em termos de decisão. São muitas conjecturas e esse processo é muito amplo.

De maneira geral, a Igreja Católica mudou muito desde que o sr. assumiu a Arquidiocese de Natal?
A Igreja Católica passou por muitas mudanças, momentos históricos e isso tem muito peso e muitas consequências. Eu fui formado, caminhei, vivi e achei belíssimo a igreja do Vaticano II. Eu entrei no seminário em 1961, o papa João XXIII convocou o concílio ecumênico, com todos os bispos católicos e bispos de outras igrejas, e esse concílio veio para atualizar a igreja para o século XX. Houve muitas mudanças, documentos, constituições, a igreja piramidal que passa a ser a igreja comunhão, com todos os irmãos em círculo. Depois, a igreja vai tentando responder àquilo que vai se constituindo à realidade de seu tempo. Nós vivemos esses períodos, fomos mudando, conquistando e estamos nesse momento de crescimento. Na minha vida de padre eu vivi tudo isso, momento de avanços e de recuos. Tivemos outros processos, com uma guinada muito drástica se afastando ou ignorando completamente a dimensão sociotransformadora da fé para uma igreja mais intimista, “eu e Deus, só eu que louvo”, uma visão muito verticalizada da fé, sem a horizontalidade, como é a cruz de Cristo.

O sr. costuma dizer que está entrando agora na terceira fase da existência humana. Quais são seus planos como bispo emérito?
Que Deus me dê a graça da vida. Eu não sei até onde vou, quem sabe é Ele. Terminando esse tempo, eu estou preparando um lugar para morar. Quando o bispo fica emérito vai viver  em uma outra perspectiva, ele não vai mais estar na estrutura própria daquele que está à frente da igreja. Rendo graças a Deus e preparo o ambiente, a estrutura, os mecanismos pastorais, administrativos para o próximo que vier. É meu dever deixar a casa em ordem para quem chegar. Ter muita atenção, misericórdia, zelo e também paternidade para viver situações um pouco difíceis, dolorosas, alguém que precise resolver uma situação, um padre que precise uma atenção em determinado aspecto. Tudo isso para que estejamos diante da pessoa humana, que preciso do cuidado, da solidariedade, da compreensão, isso é muito importante.

E o sr. vai ficar aqui por perto?
Vou morar num apartamento ali na Campos Sales, eu achei que era melhor, pelo meu modo de ser, estar perto da cidade, das pessoas. Há um ambiente muito bom também lá em Emaús, no recanto Santa Marta, onde moram os meus dois irmãos eméritos Dom Heitor e Dom Matias, também um padre mora lá e assim vai. Preferi ficar aqui mais próximo porque eu ainda posso contribuir com muita coisa, com muitas instituições. Muitas pessoas dizem isso e eu estou pronto. Vibro com todos os processos que trazem superação de miséria, pobreza, qualidade de vida, não posso negar as coisas que são importantes. Vou me sentir com a missão cumprida, só tenho a agradecer a Deus. Certamente estarei melhor porque você se desvencilha de uma série de demandas, de preocupações, hoje, por exemplo, com as redes sociais, a internet, sou alcançado a toda hora, quando eu acordo já tem um ‘plim plim’ no telefone com alguma demanda, alguma pergunta, algum compromisso, mas tudo isso é muito bom porque estamos gastando a vida em favor da vida.

Fonte: Jornal Tribuna do Norte

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