Para especialista, a injeção de R$ 63 bilhões pode fazer girar a economia e resolver um problema imediato, mas a maioria do dinheiro deverá ser para pagamento de dívidas, uma parte menor para o consumo e menos ainda para investimentos
Com o percentual de famílias endividadas em 64%, em junho, o maior desde julho de 2013, especialistas acreditam que boa parte dos saques do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e do PIS será usada para pagar dívidas. Com a medida, cujo detalhamento ficou para a semana que vem, a equipe econômica espera provocar uma reação na estagnada economia, ao injetar no consumo cerca de R$ 63 bilhões dos recursos dos trabalhadores.
Falta, porém, definir o percentual do fundo autorizado para saque das contas ativas e inativas, e detalhes sobre a inclusão do PIS e do Pasep, além das novas regras para acesso ao dinheiro em caso de demissão sem justa causa, regras que o governo também pretende alterar. Entre as estratégias avaliadas pelo Executivo está liberar saques de 10% a 35% a depender do valor do saldo das contas ativas. Outra opção seria permitir que o trabalhador saque recursos do FGTS periodicamente, como na data de aniversário.
“Injetar cerca de 63 bilhões na economia neste momento pode ser a centelha necessária para rodar a economia, o que é bom, pois resolve um problema imediato. No entanto, boa parte desse dinheiro deve ser usada para pagar dívidas. O país está com 63 milhões de pessoas negativadas”, disse Fábio Gallo, professor de finanças da Fundação Getulio Vargas.
Para ele, uma parte menor deve ser usada para o consumo e menos ainda para investimentos. “A questão é que não há sinalização de política de planos estratégicos de longo prazo, pois o saque do FGTS, associado à reforma da Previdência, que é necessária, vai descobrir o trabalhador lá na frente”, alertou.
Já Marcos Ferrari, ex-secretário de Assuntos Econômicos do Ministério do Planejamento, acredita que, desta vez, uma parte menor dos recursos será usada para saldar dívidas. Em 2017, quando o então presidente Michel Temer autorizou saques de R$ 44 bilhões de contas inativas, 57,9% das famílias estavam endividadas, em março daquele ano, quando foram iniciados os pagamentos. Segundo Ferrari, na ocasião, cerca de 35% foram destinados à quitação de dívidas, 40% para o consumo e o restante para investimentos, que ele considera um resultado equilibrado.
Na opinião de Ferrari, o governo precisa usar a régua correta para chegar a um valor que aqueça a economia sem fragilizar o fundo. Ele avaliou que a liberação para os trabalhadores não deve exceder 5% do saldo total do FGTS. “Com a perspectiva de aumento de apenas 0,8% do PIB, qualquer medida é positiva, pois são gerados empregos e, com isso, o dinheiro volta para o fundo.”
Além de acertar a sintonia fina do cálculo, para colocar o plano em marcha, o governo espera aval da Caixa Econômica Federal, que precisa de mais tempo para preparar a logística, já que, em 2017, cerca de 26 milhões de pessoas foram atendidas. “Começamos a trabalhar na estratégia três meses antes de anunciar a medida”, disse Ferrari, que integrava a equipe econômica na época.
Outra razão para a adiar a liberação dos recursos foi a pressão do setor de construção civil, que depende do FGTS para financiar programas como o Minha Casa Minha Vida, que movimenta entre 70% e 80% do mercado de construção imobiliária. O presidente da Câmara Brasileira da Indústria e Construção (CBIC), José Carlos Martins, esteve na cerimônia de comemoração dos 200 dias do governo, mas negou que haja uma pressão, apenas preocupação, segundo ele, pois o setor gera empregos. Martins ressaltou, porém, que o Palácio do Planalto tem compromisso com o setor e que as medidas devem ter uma modelagem com impacto neutro na construção civil.
Planos:
O vigilante Francisco Rodrigues, de 45 anos, já foi atrás de saber do seu saldo. “Eu vi no jornal a notícia, acompanho sempre no extrato e só estou esperando autorização para poder ir atrás. O IPVA está atrasado, daqui a pouco o Detran vai atrás”, contou. “A dívida não espera, mas quando você pega um empréstimo é tapar um buraco abrindo outro, por isso eu prefiro esperar mesmo o dinheiro que já é nosso e a gente tem direito.” O porteiro Renilson Ferreira, 26, segue essa linha. “Pagar as contas é o que eu mais preciso no momento. Se liberar né, vamos ver aí como vai ser, mas, assim que puder, vou logo sacar para me livrar da dívida.”
Quem não tem urgência para se livrar de débitos prefere pensar no futuro. Caso da advogada Larissa Mello, 31. “Pretendo tirar de imediato e investir. Aplicar em previdência privada ou em outra coisa que eu possa garantir um retorno a longo prazo.”
Fonte: www.correiobraziliense.com.br
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