O Rio Grande do Norte está à frente dos demais Estados do Brasil quando o assunto é infestação do mosquito da dengue. Dentre os mais de 1.700 municípios brasileiros avaliados, a cidade de Caicó tem o maior índice de infestação com 27,1% dos imóveis pesquisados entre outubro e este mês. Esse quadro não se explica apenas em função da necessidade de armazenamento de água durante períodos de seca, mas também pela interrupção no fornecimento de larvicida para combater o mosquito Aedes aegypti.
Adriano Abreu
No bairro das Rocas o cenário de risco está nas ruas: pneus velhos abandonados a céu aberto são criadouros para o mosquito
Esse índice é calculado a partir da quantidade de imóveis onde são encontrados mosquitos ainda nas fases juvenis (ovo, larva e pupa) dentro de um quarteirão. O pior desse resultado é que, pelo menos em tese, o Zyka vírus também ganha potencial para se espalhar pelo Seridó, já que ele também pode ser transmitido pelo Aedes. E com isso deve levar todas as consequências tardias desse tipo de infecção, como a microcefalia em fetos humanos.
O coordenador do Centro de Controle de Zoonoses de Caicó, Gustavo Solano, falou que já é possível ouvir pessoas do município reclamando de sintomas clássicos do Zyka vírus. “O pessoal na zona rural tem reclamado muito de coceira e da pele toda empolada”, contou. Olhos avermelhados e febre baixa também são sintomas clássicos da doença que chegou ao Brasil no ano passado.
No que diz respeito à dengue, quando um município registra 4% ou mais no Levantamento Rápido de Infestação por Aedes aegypti (LIRAa) é considerado o risco de surto. Embora não apresente estatística, o coordenador de Zoonoses da cidade informa que a doença ainda não se alastrou pela cidade. Gustavo Solano acredita que o índice deva diminuir na próxima medição, feita a cada dois meses.
O coordenador aposta nessa tendência, pois o larvicida que estava em falta, chegou a Caicó. “Fazia quase dois meses que não vinha. Chegou ontem [segunda-feira] aqui, porque chegou em Natal na sexta-feira e a 4ª Regional [órgão da Secretaria Estadual de Saúde] trouxe logo pra cá”, contou. A responsabilidade da compra e envio desse produto para combater o mosquito ainda no seu “berçário” é do Ministério da Saúde. Essa interrupção teria ocorrido em todo o Brasil segundo Solano. Em contato com o órgão, a assessoria de imprensa informou que houve “registros pontuais” de quebra no fornecimento do larvicida. A pasta comandada por Marcelo Castro deve enviar neste mês 20 toneladas de larvicida para todo Brasil.
Mesmo acreditando na reversão do quadro na capital do Seridó, Solano revela uma desconfiança com o princípio ativo do larvicida. “É um pó que fica agindo no fundo do reservatório por até dois meses. Nisso ele é bom, porque o líquido, que vinha antes, saia junto com a água. Esse continua no reservatório, mesmo se ficar seco por um tempo. O problema desse que eles mandam agora é que o princípio ativo só funcionava na fase de pupa”, explicou o coordenador. A pupa é a última fase antes de o mosquito se tornar adulto. Ou seja, o veneno contra o Aedes não mata ovos nem larvas. “Aí a gente acaba desconfiando um pouco”, completou Gustavo.
No Nordeste, o Ministério da Saúde mostrou que 82% dos mosquitos em fase juvenil encontrados no levantamento rápido estavam em reservatórios de água. De todo Brasil, é a região onde mais Aedes são encontrados nesses criadouros. “O povo aqui está tudo atrás de qualquer água. O pessoal está pegando água até de poço com larva'', acrescentou o responsável pelo controle de doenças transmitidas por animais. Há dois meses, o índice de infestação em Caicó era de 12%. Os ovos do mosquito se reproduzem em lugares úmidos e quentes. Por isso, o verão, quando temos chuvas e altas temperaturas, é o período ideal de reprodução do inseto. Para chegar a fase adulta, o Aedes aegypti leva entre 7 e 10 dias.
Cidades em risco
No RN são oito os municípios com maior risco de surto.
1º) Caicó 27,1%
2º) Nova Cruz 14,7%
3º) São Miguel 9,8%
4º) Santa Cruz 7,5%
5º) Mossoró 7,4%
6º) Cruzeta 6,6%
7º) Campo Redondo 6,2%
8º) Currais Novos 4,6%
obs.1: Natal não utiliza mais essa metodologia de controle.
Fonte: Ministério da Saúde/ Levantamento Rápido de Índice de Infestação por Aedes aegypti (LIRAa).
Só 25 cidades do RN enviam LIRA para MS
Dos 167 municípios do Estado, apenas 25 enviaram o levantamento rápido de infestação do mosquito da dengue. Um dos que não mandou foi a Capital. O Chefe do Centro de Controle de Zoonoses, Alessandre Medeiros, explicou que isso ocorreu porque Natal já conseguiu expandir para toda a cidade uma nova metodologia de monitoramento da doença. O modelo de hot spot (pontos quentes) cruza os dados de pessoas doentes (com patologias transmitidas pelo Aedes) com o número de ovos encontrados em armadilhas montadas em lugares críticos da cidade.
Conforme Alessandre, apenas o bairro Nossa Senhora da Apresentação estava em uma situação de risco no mais recente levantamento.“Na próxima semana, Nossa Senhora da Apresentação deve baixar”, prevê Medeiros. Entretanto, a TRIBUNA DO NORTE mostrou ontem que os bairros de Cidade Alta e Dix-sept Rosado também apresentam números altos simultaneamente nos dois quesitos monitorados: infestação do mosquito e casos da doença.
Na avaliação do presidente do Sindicato dos Agentes de Saúde e de Endemias do Rio Grande do Norte (Sindas/RN), Cosmo Mariz, não enviar o levantamento rápido de infestação é “querer esconder a realidade”. “Considerando que o Ministério da Saúde tem enviado muito dinheiro, eles não iriam gostar de ver que os municípios não estão fazendo o dever de casa”, comentou. Só em 2015, R$ 1,25 bilhão foram repassados aos municípios e Estados para combater o mosquito.
O líder sindical informou também que constatou a falta do larvicida anti-Aedes também em Acari e outros municípios do Seridó na semana passada. O coordenador do Centro de Zoonoses de Caicó, Gustavo Solano, disse que em algumas localidades só não faltou larvicida porque o estoque era grande. “Mas aqui em Caicó a gente usa muito porque tem reservatório pra todo canto”, contou.
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