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sábado, 12 de dezembro de 2015

Estatuto do Desarmamento pode ser revogado após 12 anos

Depois de doze anos em vigor, a lei que restringiu a posse e o porte de armas de fogo está prestes a ser alterada pelo Congresso Nacional. Desde 2003, o Estatuto do Desarmamento vem sendo ameaçado por tentativas de revogação que agora podem ser concretizadas com aprovação do Projeto de Lei 3.722/2012, que está pronto para votação na Câmara dos Deputados.

Em meio a polêmicas e bate-bocas entre parlamentares, as mudanças no estatuto foram aprovadas no começo de novembro pela comissão especial, de onde seguiram para o plenário. Se aprovada pela maioria dos deputados, a proposta ainda precisa passar pelo Senado Federal, onde o debate deve ser mais equilibrado.

O projeto, batizado de Estatuto do Controle de Armas, dá a qualquer cidadão que cumpra requisitos mínimos o direito de comprar e portar armas de fogo, inclusive a quem responde a processo por homicídio ou tráfico de drogas. Além disso, reduz de 25 para 21 anos a idade mínima para comprar uma arma e garante o porte de armas de fogo a deputados e senadores. 

O embate em torno das mudanças extrapola os corredores do Congresso e opõe entidades da sociedade civil e especialistas em segurança pública. O tema também tem ganhado espaço nas redes sociais.

Mais de 880 mil pessoas morreram no Brasil vítimas de armas de fogo (homicídios, suicídios e acidentes) de 1980 a 2012, segundo o Mapa da Violência 2015. No último ano do levantamento, 42.416 pessoas morreram por disparo no país, o equivalente a 116 óbitos por dia.

Em 2004, primeiro ano após a vigência do Estatuto do Desarmamento, o número de homicídios por arma de fogo registrou queda pela primeira vez após mais de uma década de crescimento ininterrupto – diminuindo de 39.325 mortes (2003) para 37.113 (2004).

Com 15 milhões de armas de fogo (8 para cada 100 mil habitantes), o Brasil ocupa a 75ª posição em um ranking que analisou a quantidade de armas nas mãos de civis em 184 nações. No levantamento, feito pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes (Unodc) e a Small Arms Survey – entidade internacional que monitora o comércio de armas e conflitos armados no mundo –, os Estados Unidos aparecem no primeiro lugar do ranking com 270 milhões de armas em uma população de 318 milhões de habitantes (mais de 85 armas para cada 100 mil habitantes).

Segundo o Mapa da Violência 2015, do total de armas no Brasil, 6,8 milhões estão registradas e 8,5 milhões estão ilegais, com pelo menos 3,8 milhões nas mãos de criminosos. De acordo com o Ministério da Justiça, de 2004 a julho deste ano, 671.887 armas de fogo foram entregues voluntariamente por meio da Campanha Entregue sua Arma, prevista no Estatuto do Desarmamento.

Deputados da ‘paz’ atuam contra a bancada da ‘bala’ 

Para os defensores da atual legislação, as mudanças no estatuto representam um retrocesso e um risco aos avanços, como as 160 mil mortes evitadas no período, segundo projeções do Mapa da Violência de 2015. “A gente volta a uma situação anterior a 2003, em que pessoas andavam armadas porque conseguiam uma licença facilmente com um delegado de polícia. O estatuto tem como premissa o porte arma como exceção. A nova lei transforma essa exceção em regra e isso é um absurdo para a segurança pública, uma vez que você inunda a sociedade com armas de fogo”, pondera Marques.

Os que defendem o estatuto têm a seu favor um arsenal de pesquisas e estudos que mostram a efetividade de uma lei anti-armas mais rígida e alertam para o risco de violência associado à maior quantidade de armas de fogo em circulação. O pesquisador Julio Jacobo Waiselfisz chegou à conclusão que 160.036 vidas foram poupadas com o maior controle de armas. O indicador de morte evitadas é calculado pela comparação entre a tendência de crescimento de morte violentas antes da lei e os números reais de ocorrências após o estatuto.

Na série histórica de morte por armas de fogo, o ano de 2004, primeiro após a entrada em vigor da lei, registra a primeira queda no número de homicídios por disparos após dez anos de crescimento ininterrupto - diminuindo de 39.325 mortes (2003) para 37.113 (2004).

O pesquisador do Ipea Daniel Cerqueira concluiu que o aumento de 1% na quantidade de armas de fogo em circulação eleva em até 2% a taxa de homicídios. Dados da ONU mostram que, enquanto no mundo as armas de fogo estão associadas a 40% dos homicídios, no Brasil, são 71% dos casos.

“Revogar o Estatuto do Desarmamento é uma proposta não só reacionária, mas completamente desvinculada de qualquer critério técnico, porque todos os dados, evidências, mostram que mais armas significam mais mortes”, acrescenta o vice-presidente do Conselho de Administração do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima.

Em outubro, após a votação do texto-base do Estatuto do Controle de Armas, o fórum se manifestou contrário às mudanças em um documento com mais de 80 assinaturas, entre elas as de comandantes-gerais de polícias e delegados.

Desde a implementação em 2003, o Estatuto do Desarmamento foi alvo de quase uma dezena de tentativas de alteração. O perfil mais conservador da legislatura e a composição pró-armas da comissão especial – na qual sete dos 54 deputados receberam recursos da indústria de armas – favoreceram a flexibilização do controle da posse e do porte. 

Para se contrapor, 230 parlamentares se juntaram na Frente Parlamentar pelo Controle de Armas, pela Vida e pela Paz, presidida pelo deputado Raul Jungmann (PPS-PE). O grupo espera equilibrar a discussão das mudanças no estatuto. “Quem defende a arma para si não se dá conta que todos vão se armar. Por exemplo, a juventude das periferias, que se sente tão marginalizada e tão sofrida, vai toda se armar; nos campos de futebol, nas festas, no trânsito, na rua, todos estarão armados. As pessoas pensam que arma é só para defesa, não, ela é para destruição e para conflito”, argumenta.

Novo estatuto dá direito à defesa, diz entidade
O direito à autodefesa diante da incapacidade do Estado de garantir a segurança pública é uma das principais bandeiras dos defensores da revogação do Estatuto do Desarmamento.

A lista dos que saem publicamente em defesa da flexibilização das regras é encabeçada por parlamentares da chamada bancada da bala e entidades civis criadas após a entrada em vigor da lei, considerada uma das mais rígidas do mundo no controle de armas.

“O direito à defesa em nada tem a ver com fazer Justiça com os próprios meios, a liberdade de acesso às armas inclui o direito à defesa, mas não se resume a ela. O fato de o cidadão poder se defender não tira da polícia ou do Estado nenhum direito. Nenhum cidadão armado vai cumprir mandado de busca e apreensão, vai sair perseguindo bandido, vai fazer inquérito, vai fazer papel de polícia”, argumenta o presidente do Instituto de Defesa, Lucas Silveira. 

Criada em 2011, a entidade tem 130 mil associados e atua no lobby pró-armas no Congresso e nas redes sociais.

“Por mais policiamento que se tenha, por maior que seja o Estado, a polícia não vai estar presente em todos os lugares do país, é matematicamente impossível”, calcula.
FONTE: O NOVO JORNAL

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