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segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

Rhanna, um exemplo de luta contra a opressão machista



Era noite de quinta-feira e os pais de Rhanna estavam preocupados. A filha se aprontava para sair com as amigas enquanto eles, mais ansiosos que o habitual, tentavam convencê-la do contrário. “A gente nunca acha que vai acontecer algo”, afirma a garota, mais de quatro anos depois, relembrando aquele 29 de setembro de 2011.

Essa é uma data que a advogada não consegue mais esquecer. Não pelas cicatrizes que ficaram no seu corpo, ou pelas quatro placas de titânio que hoje dão sustentação ao seu braço, mas pela mudança de pensamento sofrida desde que ela também se tornou parte da estatística de violência contra as mulheres. Um mal que, segundo informações da Central de Atendimento à Mulher (Ligue 180), fez mais de 52 mil vítimas em todo o país somente no ano passado.

A agressão contra Rhanna Diógenes, 23, aconteceu no interior de uma casa noturna, na Zona Sul de Natal. De acordo com a versão defendida por ela, o empresário Rômulo Lemos, 33, teria tentado beijá-la a força naquela noite. Quando a então estudante de direito recusou a investida, chegando a pedir ajuda e a jogar sua própria bebida na direção de Rômulo, na tentativa de afastá-lo, o rapaz a agarrou pelo braço direito, puxando com tamanha violência que o partiu em dois lugares.

“Naquela hora, ele percebeu que tinha feito uma besteira muito grande e fugiu correndo”, relata Rhanna, que tinha apenas 19 anos quando tudo aconteceu.

Por causa da fratura, a menina precisou passar por uma cirurgia que implantou as quatro placas de titânio, além de 16 pinos, que reforçam o membro. Ela explica que, apesar de já poder se submeter ao procedimento de retirada das próteses, prefere continuar usando a sustentação, uma vez que o braço direito não possuí mais a mesma mobilidade de antes. É comum, por exemplo, a garota sentir dor ou perceber sangramentos na região onde houve a ruptura.

“É sempre uma dor que vem de dentro para fora. Eu costumo jogar vôlei e mais de uma vez alguém parou pra me dizer: ‘Rhanna, seu braço está sangrando’. Isso acontece porque a pele aqui é bastante frágil. Não consigo mais utilizar meu braço como se ele fosse saudável”, declara a advogada.

A agressão motivou uma ação na justiça, onde a jovem tenta responsabilizar Rômulo por lesão corporal. Apesar de lenta – o processo já perdura há quatro anos –, Rhanna espera que a causa seja bem sucedida e que o algoz termine preso.

Atualmente, formada e atuando na área de defesa dos direitos da família, ela conta que o episódio ruim serviu para que tomasse mais consciência do que muitas mulheres enfrentam diariamente. Pela repercussão que o seu caso gerou na mídia, a garota tem servido de exemplo para outras vítimas, que a procuram para falar de situações difíceis que têm passado.

Antes, a jovem confessa, tinha uma visão deturpada do problema. Ela lembra que não conseguia compreender a razão pela qual uma mulher, que convive o tempo inteiro com ameaças e agressões, simplesmente não denunciava o seu algoz.

“Agora eu enxergo como esse é um pensamento miserável. Sabe aquelas pessoas que quase morrem e passam a ver a vida de um modo diferente? Guardadas as devidas proporções, foi o que aconteceu comigo”, esclarece.

Algumas moças que vêm até Rhanna, normalmente através das redes sociais, também foram vítimas de violência física ao tentarem escapar de um assédio, como a advogada. No entanto, outras são esposas, namoradas e companheiras do próprio agressor, que ainda não se sentiam seguras para delatar as hostilidades e ofensas sofridas.

“Elas escrevem mensagens dizendo: ‘depois de te ver, uma menina tão nova, enfrentando tudo isso, também tive coragem de denunciar’. É por isso que eu costumo dizer que deixou de ser o meu caso para ser a minha causa”, revela.

Uma das histórias que ficou marcada na memória da moça é a de uma jovem que, sentada após um show, foi abordada por um rapaz que lhe pediu um beijo. Por ter se recusado, a menina sofreu um chute na boca, o que quebrou o seu maxilar.

Em casos como esse, segundo a própria Rhanna, é comum que a vítima se sinta culpada da violência que recebeu. No entanto, esse pensamento é errado e precisa ser modificado. “É aquela história de querer transformar a vítima em algoz. Precisamos mudar isso”, concluí.


Repercussão afeta a vida da advogada
A agressão que o empresário Rômulo Lemos cometeu contra Rhanna Diógenes repercutiu, na época, em diversos veículos de comunicação, incluindo uma longa reportagem no programa “Fantástico”, da Rede Globo. A opção de divulgar o caso para a imprensa foi tomada, segundo relembra a advogada e vítima, pouco tempo após se submeter à cirurgia feita às pressas no braço atingido pelo golpe.

“Meu pai (o também advogado Kennedy Diógenes) veio falar comigo e disse que eu tinha duas escolhas: poderia deixar por isso mesmo, indo atrás dos meus direitos na justiça, ou ir até o fim e me expor”, recorda, acrescentando que preferiu a segunda alternativa, acreditando que assim também estaria ajudando outras mulheres a não se tornarem novas vítimas no futuro.

Apesar de considerar ter tomado a decisão mais correta, a jovem reclama que a exposição na mídia também abriu portas para piadas maldosas e machistas. Segundo conta, é comum ouvir pessoas dizerem que seu caso apenas ganhou repercussão devido à condição financeira da sua família ou que ela provavelmente teria provocado o agressor de alguma maneira, o que resultou na atitude errada de Rômulo. “E mesmo se eu tivesse feito algo, você acha que isso justificaria?”, questiona a advogada.

O cúmulo, de acordo com a própria vítima, aconteceu durante uma tradicional festa de dia das bruxas da cidade. Um rapaz e uma moça, vestidos como Rômulo e Rhanna, chamavam a atenção das pessoas. Ele simulava aplicar golpes, enquanto que ela, trazendo o braço enfaixado com ataduras, fingia gritar e pedir por ajuda. A cena revoltou a advogada que, mesmo sem ter presenciado pessoalmente, condenou a brincadeira. “Isso mostra como a dor do outro não vale nada”, declara Rhanna.


Sentença de julgamento deve sair apenas no próximo ano
Réu no que ficou conhecido como “Caso Rhanna”, o empresário Rômulo Lemos não compareceu à última audiência de instrução, realizada no dia 27 de novembro passado. A ausência acabou adiando a definição da sentença para o ano que vem. De acordo com o advogado de defesa, Durvaldo Varandes, o acusado teme ser vítima de represálias e, por isso, não foi até a 2ª Vara Criminal de Natal, no Complexo Judiciário da Zona Sul, na data combinada.

Como também reside em Pernambuco, no município de Camocim de São Félix, distante aproximadamente 123 km da capital Recife, Rômulo precisará ser ouvido através de carta precatória. Nesse caso, o juiz do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, da Comarca de Parnamirim, deve solicitar a outro magistrado uma intimação para que o agressor deponha na comarca mais próxima de sua residência.

“Certamente o processo deve ficar para o ano que vem, já que [a carta precatória] deve demorar a chegar e já estamos às vésperas do recesso. Acredito que não demore mais de seis meses para que tenhamos uma definição do caso”, afirmou, na época, o advogado de defesa.

Por já possuir uma condenação anterior em aberto, devido a agressão que também cometeu contra sua ex-mulher, Rômulo Lemos pode pegar até seis anos de prisão, na soma das duas penas. 

Para Rhanna Diógenes, “a expectativa é que tudo dê certo e a justiça seja feita, independente do tempo que isso leve”.

Fonte: Novo Jornal RN

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