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terça-feira, 8 de março de 2016

Em Natal, cresce o número de mulheres vítimas de violência

A estudante universitária Mariana Ceci aguardava no ponto de ônibus o coletivo que a levaria para seu destino, quando foi surpreendida por uma garrafa plástica que foi arremessada em sua direção.

O agressor era um homem que estava sentado no banco de passageiros de um ônibus que acabara de dar a partida.

A garrafa veio acompanhada de um grito: “Vai pra Cuba vagabunda!”, por conta da camisa vermelha da Marcha Mundial das Mulheres que vestia, ela supõe.

Assim como Mariana, muitas outras mulheres do Rio grande do Norte sofrem diariamente com agressões. De acordo com a Secretaria de Políticas Públicas para as Mulheres de Natal (Semul), os registros de violência doméstica têm crescido – muito pelo aumento de denúncias das próprias vítimas.

Os dados da Secretaria revelam que em 2016 o número de mulheres abrigadas pelo Município já atingiu mais de 25% do total de casos no ano passado. Até o começo de março, 15 vítimas de agressão doméstica passaram a morar na Casa Abrigo Clara Camarão, unidade da Prefeitura de Natal que também recebe vítimas de Parnamirim. Em todo o ano passado, quando foram registrados 59 casos de abrigamento.

De acordo com o que explica Ana Cláudia Mendes, coordenadora do Departamento de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher da Semul, as vítimas só são transferidas para a Casa Abrigo em casos de iminência de morte que venha a ser provocada pelos agressores. Ou seja, tem crescido o número de mulheres que precisam da Secretaria para resguardar a própria vida.

No que diz respeito aos atendimentos, em geral, quando há ou não necessidade de abrigamento, os indicadores da pasta mostram que, em 2015, 597 vítimas de violência receberam o auxílio do Município. Neste ano de 2016 foram 80 registros.

Ana Cláudia explica que o aumento dos casos registrados pela Secretaria da Mulher está diretamente ligado ao encorajamento das vítimas, que estão mais dispostas a denunciar seus agressores. “São altos os índices. Se você perceber que a Casa Abrigo existe há dez anos e que desde 2006 existe um marco legal, que é a lei Maria da Penha, e a violência com índices tão altos, algo precisa feito diferente”, alerta.

A coordenadora, assim como a secretária titular da Semul, Aparecida França, defendem que é necessária uma política de articulação intersetorial para combater a violência contra a mulher. “Não é só assistência, não é só segurança, é preciso educação como prevenção, saúde também”, destaca Ana Cláudia.

A secretária Aparecida França afirma que a Semul tem conseguido manter diálogo com as outras instituições necessárias para a realização do trabalho. “Temos avançado.

Temos bom diálogo com a esfera estadual, temos um diálogo importante com o Tribunal de Justiça e com e o Ministério Público, agilizando os processos e no sentido de sensibilizar para a questão”, disse.

Apesar disso, Aparecida França reconhece que, mesmo com os avanços, ainda há muito a ser feito para garantir às mulheres o direito da equidade social, e da segurança. “E quando a gente fala equidade de gênero, não se refere só para as mulheres. A gente fala equidade de gênero para homens, mulheres, gays, lésbicas transexuais, transgêneros, todas as pessoas. A gente precisa promover essa equidade, e equidade não é superioridade. Nós não queremos a promoção de um machismo às avessas”, defende a secretária.

Município conta com duas unidades de auxílio às mulheres 

Depois que a violência é identificada pelas nas delegacias, unidades de saúde ou quaisquer outros ambientes, as mulheres são encaminhadas para receberem apoio do Município. A Secretaria Municipal de Políticas Públicas para as Mulheres dispõe de duas unidades para atender as vítimas de violência. Segundo Ana Cláudia Mendes, o registro do boletim de ocorrência contra os agressores é essencial e pré-requisito para que se dê prosseguimento às demais fases do apoio.

Uma das unidades é o Centro de Referência Elizabeth Nasser, que fica no Panatis, Zona Norte de Natal. É um ambiente para acolhimento e atendimento psicológico, social, orientação e encaminhamento jurídico à mulher em situação de violência.

O espaço tem o objetivo de proporcionar suporte jurídico e psicológico para a superação da situação de violência.

Neste sentido, o CREN exerce o papel de articulador das instituições e serviços governamentais e não governamentais que integram a Rede de Atendimento. Presta acolhimento permanente às mulheres que necessitem de suporte, monitoramento e acompanhamento das ações desenvolvidas pelas instituições que compõe a Rede, instituindo procedimentos de referência.

Esta rede é composta pelas Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher, a Semul, os conselhos tutelares, Defensoria Pública, unidades de saúde, Poder Judiciário e Ministério Público.

O Centro de Referência serve como uma triagem, para identificar a necessidade das vítimas. Segundo explica Ana Cláudia Mendes, algumas delas precisam de medidas protetivas, acompanhamento jurídico, e a Secretaria promove essa articulação por meio do Centro.

Nos casos mais graves, identificando-se nesse primeiro contato a necessidade do abrigamento, as mulheres são encaminhadas para a Casa Abrigo Clara Camarão, uma unidade de endereço sigiloso que serve como um refúgio para aquelas que correm risco de morte.

A coordenadora Ana Cláudia conta que o local dispõe de estrutura para abrigar tanto as mulheres quanto os filhos delas. “Muitas chegam com 3, 4 e até 6 filhos”, revela.

A CACC oferece auxílios de moradia protegida e atendimento integral às mulheres em situação de risco de morte iminente, em razão da violência doméstica e familiar.

Trata-se de um serviço de caráter temporário, no qual as usuárias e seus dependentes, menores de 18 anos, podem permanecer por um período determinado, durante o qual devem reunir condições para retomar o curso de suas vidas.

Enquanto permanecem na Casa, a mulher e seus filhos recebem acompanhamento psicossocial e jurídico, que garantem, pela Justiça, das medidas protetivas necessária para que possam retomar suas rotinas com segurança.

De acordo com a Semul, mesmo com todo o aparato disponibilizado, muitas vítimas hesitam em procurar o abrigamento. As mulheres, muitas vezes, não sabem da estrutura, que asseguram dormitório e alimentação, além dos demais serviços.

Aplicação de medidas protetivas

As medidas protetivas podem ser o afastamento do agressor do lar ou local de convivência com a vítima, a fixação de limite mínimo de distância de que o agressor fica proibido de ultrapassar em relação à vítima e a suspensão da posse ou restrição do porte de armas, se for o caso.

O agressor também pode ser proibido de entrar em contato com a vítima, seus familiares e testemunhas por qualquer meio ou, ainda, deverá obedecer à restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço militar.

Outra medida que pode ser aplicada pelo juiz em proteção à mulher vítima de violência é a obrigação de o agressor pagar pensão alimentícia provisional ou alimentos provisórios.

Os bens da vítima também podem ser protegidos por meio das medidas protetivas. Essa proteção se dá por meio de ações como bloqueio de contas, indisposição de bens, restituição de bens indevidamente subtraídos pelo agressor e prestação de caução provisória, mediante depósito judicial, por perdas e danos materiais decorrentes da prática de violência doméstica.

De acordo com a lei, o juiz pode determinar uma ou mais medidas em cada caso, podendo ser substituídas a qualquer tempo por outras de maior eficácia, sempre que os direitos reconhecidos pela Lei Maria da Penha forem violados.

A lei também permite que, a depender da gravidade, o juiz possa aplicar outras medidas protetivas consideradas de urgência.

Entre elas, está o encaminhamento da vítima e seus dependentes para programa oficial ou comunitário de proteção ou de atendimento, determinar a recondução da vítima e de seus dependentes ao domicílio, após o afastamento do agressor e determinar o afastamento da vítima do lar, sem prejuízo dos direitos relativos a bens, guarda dos filhos e recebimento de pensão.Sempre que considerar necessário, o juiz pode requisitar, a qualquer momento, o auxílio da força policial para garantir a execução das medidas protetivas.

Perfil e mudança de cenário

Ana Cláudia Mendes atenta para a necessidade de se discutir os novos contextos em que a mulher está inserida, para entender a origem da violência e combatê-la. “Fazer conexão da violência contra a mulher com a violência urbana, com o tráfico de drogas, com novos elementos que potencializam e agravam esse quadro em que as mulheres vítimas de violência doméstica estão inseridas são novos contextos que precisamos discutir”, enfatiza.

Segundo a coordenadora, o uso de álcool e outras drogas pelos agressores, por exemplo, é um dos fatores que contribuem para a violência. “A gente discute aqui na Secretaria que existe uma cultura machista, uma cultura ainda que predomina, mas os elementos álcool e drogas agravam. Tanto é que os índices aumentam nos finais de semana consideravelmente”, afirma.

Ana Cláudia Mendes também informou que tem aparecido outros perfis de mulheres vítimas de violência. Segundo ela, adolescentes de 16 e 17 já não aparecem mais para procurar auxílio junto com suas mães. Elas próprias vivenciam relacionamentos afetivos violentos.

“Isso para a gente é novo, é novo para o conselho tutelar, é novo para 2ª Vara da Criança e do Adolescente. São novas pontes dessa rota que a gente precisa acessar, porque a conjuntura mudou”, frisou a coordenadora.
Fonte: Novo Jornal

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