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domingo, 21 de agosto de 2016

[CRÔNICA] QUANDO EU ME MUDEI PARA NATAL

Em 2008, pisei pela primeira vez em solo potiguar para morar por alguns meses, quase dois mil quilômetros longe de casa.
Entre idas e vindas de férias, oito anos depois me vi voltando − acho que Natal queria que eu voltasse por alguma razão.
Mas chega de conversa fiada, vim aqui dizer como uma moça forasteira se sente morando por aqui.
Quando se chega despretensioso à cidade do sol, tudo que se vê são praias, dunas e camarões. Mas sabemos que Natal não se resume a cenário.
Como boa paulista, claro que um dos motivos pelo qual escolhi aqui para morar foi a proximidade do mar.
Não tenho o hábito de ir toda a semana à praia, mas só de saber que o marzão está ali, já é o suficiente.
A rotina aqui é diferente. Amanhece entre 4h30 e 5h da manhã, ou seja, escurece mais cedo também e o seu corpo leva um tempo até se acostumar.
Fora que, às cinco da matina, se você abre a janela, vem aquela luz exagerada que dá até vontade de pedir pra diminuir um pouquinho – arde até a alma de tão forte.
Aqui descobri que as minhas roupas brancas não estavam tão brancas assim.
Fora a ventania, que se não tomar cuidado, leva tudo, sem brincadeira. Direto tô comendo uns fios de cabelo enquanto ando na rua.
Gente, mas o que eu gostaria de falar mesmo é da comida daqui – senhor, num dá pra fazer dieta nessa terra aqui, não.
É cada prato, cada delícia que os olhos chegam a brilhar.
Se você nunca comeu uma cartola na vida, não sabe o que tá perdendo.
Você vai ao céu quando saboreia um prato de arroz de leite, feijão verde acompanhado de paçoca. Só amor. Sério.
Quando eu me mudar daqui, não sei o que vou fazer longe dessas comidas todas. Gostaria de declarar o meu amor eterno por elas.
Uma coisa que vira e mexe eu ouço de quem é daqui, são as poucas opções do que se fazer.
De fato, eu achava isso há alguns anos, mas a cena cultural da cidade melhorou bastante e temos que reconhecer isso.
Às vezes acontece de eventos bacanas serem todos num aglomerado de um fim de semana só, e depois ficar um tempo sem ter muita coisa, mas poxa, já é um começo.
O meu bairro predileto é a Ribeira, tanto de dia, como de noite. Me lembra a Lapa, no Rio, os shows que acontecem, a galera na rua tomando uma breja (ainda não me acostumei com “gela”), curtindo um som, batendo um papo, o samba de quinta…
Sei que vocês estão cansados de ouvir isso, mas sou apaixonada pelo sotaque potiguar. Não só pelo sotaque, mas pelas gírias, expressões.
O nordeste tem um vocabulário mil vezes mais rico e variado que o sudeste, de verdade. Tem algumas falas daqui que me lembram poesia.
Lembro de uma senhora na feira do Alecrim que me disse que perdão a gente só pede quando agrada a pessoa. Eu nunca ouviria uma coisa dessas em São Paulo.
Quando escutei pela primeira vez “boe”, estranhei. Pra mim sempre foi “mano”. Mas agora já estou me apropriando.
Se a diversidade linguística tá aí, é porque ela quer ser usada de todas as formas! Sim, os sudestinos se encantam quando ouvem “mainha” ou “painho”. Mas vocês já ouviram uma criança falar “voinho”? É de derreter qualquer coração.
Natal, em suas entrelinhas, abriga muitas histórias.
Se você se dispuser a escutar os mais velhos, os pescadores da Vila de Ponta Negra, as mulheres rendeiras, terá tantas narrativas para abraçar e com certeza, se surpreenderá.
A vida é feita de narrativa – da nossa e da dos outros.
A dificuldade maior, minha, e de quem também é de fora, é a de conhecer pessoas. Bom, conhecer é uma coisa, criar vínculos é outra.
No geral sinto que aqui (perdoem-me se estiver falando besteira) as pessoas se fecham muito em grupos, e nesses grupos, pessoas novas não são bem aceitas. Elas até vão trocar ideia contigo, mas nunca vão te incluir num próximo rolê.
Parece um discurso generalizado, mas já conversei bastante disso com outras pessoas que também não são daqui e elas também se sentem assim.
Por outro lado, quando as pessoas te acolhem, é com tanto carinho, que em lugar nenhum do mundo será igual.
Te pegam pela mão, te abraçam com força, te dão aquele xêro caloroso que não dá vontade de ir embora mais, você se sente parte da família.
Quando penso que um dia vou embora, num sei mais se quero ir, ou se quero ficar.
Acho que parte de mim já virou potiguar.

Texto por Alice Sabino

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