Racionamento atinge 70% dos 350 mil habitantes da Zona Norte de Natal.
A mais longa estiagem dos últimos 100 anos no Rio Grande do Norte está mudando a vida dos potiguares. Pela primeira vez na história, Natal passa por um racionamento de água. O rodízio começou no dia 8 de fevereiro deste ano e atinge cerca 70% dos 350 mil habitantes da Zona Norte da cidade, a região mais populosa da capital. “Nunca vivemos uma coisa dessas. A gente não tem água. Se Deus tiver compaixão da gente, as coisas vão melhorar”, diz, esperançosa, dona Francisca Ferreira, de 65 anos, moradora da comunidade da África.
O G1 mostra, em uma série de reportagens, uma pequena amostra da realidade vivida na região - e as muitas saídas que encontra para conseguir sobreviver. Confira aqui as histórias, contadas em cada um dos nove estados do Nordeste brasileiro.
Dona Francisca mora em uma casa simples. Na rua, de barro, uma mangueira verde se estica entre as casas. Ela é a fonte de água da vizinhança. Uma das moradoras tem um poço e cobra taxas para abastecer os vizinhos.
Francisca Ferreira depende de moradora do bairro que tem poço e revende água (Foto: Thyago Macedo / G1)
Na morada de dona Francisca, os depósitos armazenam toda a água que ela terá na semana, até ter dinheiro para comprar mais. Um tonel, alguns baldes e muitas decisões. O racionamento a obriga a escolher o dia que lavará roupa, o dia que tomará banho e o dia que terá água potável para beber. "Quando eu não tenho dinheiro para pagar, peço aos meus filhos."
Em outro ponto da Zona Norte, dona Josefa Bezerra manda os netos "lá para dentro", arruma o cabelo, pede desculpas pela bagunça, e mostra a situação que vive com o racionamento da água. Ela mora em uma rua na parte alta do bairro de Nossa Senhora da Apresentação, com isso, a água demora mais para chegar ao encanamento.
Josefa Bezerra mora em parte alta de bairro e água demora mais a chegar (Foto: Thyago Macedo / G1)
"Às vezes falta água até para a gente tomar banho", diz a dona de casa. Nos cômodos, os depósitos acumulam a água que sai da torneira. Amarelada, ela é usada para tomar banho, cozinhar e lavar roupas. "Para beber, só mineral", fala a senhora, que vive com a ajuda dos filhos.
O racionamento, segundo a Companhia de Águas e Esgotos do Rio Grande do Norte (Caern), tem caráter preventivo e se faz necessário em virtude do rebaixamento no volume de água da Lagoa de Extremoz. “É uma situação ímpar. Esta é a primeira vez que a capital passa por essa situação. Pela primeira vez o nível de água ultrapassou o nível de alerta", explica o gerente da Caern, Lamarcos Teixeira.
Lamarcos Teixeira, gerente da Caern, explica funcionamento do rodízio de água (Foto: Thyago Macedo / G1)
A medida foi tomada quando o nível da lagoa atingiu 37,8% da capacidade, o que podia comprometer o ponto de captação. O rodízio funciona em regime de escala, onde a cada dois dias os locais afetados recebem água. “O rodízio acontece para prevenir o esvaziamento da Lagoa de Extremoz neste momento em que as chuvas ainda não chegaram”, explica Lamarcos, que ressalta o modo de operação do rodízio: “Acontece com um dia de abastecimento e dois dias sem”.
Dede o início da operação, o nível da lagoa já chegou a atingir 60% da capacidade, mas, segundo Lamarcos, está há duas semanas se mantendo com 50% da totalidade. "O nível da lagoa tem se mantido com essa capacidade de bombeamento. Apesar do rodízio, não vemos uma crise. Existem dificuldades pontuais, mas, em geral, conseguimos passar por esse período crítico", afirma Lamarcos.
Guilalme Teixeira aproveitou chuva recente para armazenar água (Foto: Thyago Macedo / G1)
Em uma casa na rua Manoel Vilar, também em Nossa Senhora da Apresentação, moram Guilalme Teixeira, Francisca Angelina e mais duas pessoas. Na casa, até a água da chuva que caiu recentemente está sendo aproveitada para evitar o desperdício. "Se abrir a torneira, não tem água. A gente se vira como pode para pegar água. Até água da chuva estamos pegando para usar", frisa.
Situação de emergência
No dia 23 de março, o governo do Rio Grande do Norte decretou, por mais 180 dias, a situação de emergência em 153 municípios do estado – o equivalente a 91,6% das 167 cidades que compõem o território potiguar.
De acordo com a Secretaria da Agricultura da Pecuária e da Pesca (SAPE), a estiagem já causou prejuízos de mais de R$ 4 bilhões, o que representa uma redução superior a 50% na contribuição do setor rural para a formação do Produto Interno Bruto (PIB) do RN. Os prejuízos também atingiram a Companhia de Águas e Esgotos do Rio Grande do Norte (Caern). São mais de R$ 38 milhões de prejuízo somente nos anos de 2015 e 2016.
Atualmente, 76 cidades estão com algum tipo de rodízio de abastecimento e 18, em colapso hídrico - quando a companhia que fornece água admite não ter condições de manter o abastecimento e as cidades passar a ser fornecimento por caminhões-pipa. Estão em colapso: Almino Afonso, Antônio Martins, Francisco Dantas, João Dias, José da Penha, Luís Gomes, Marcelino Vieira, Paraná, Pilões, Rafael Fernandes, São Miguel, Serrinha dos Pintos, Tenente Ananias, Venha-Ver, Bodó, Cruzeta, Lagoa Nova e Tenente Laurentino Cruz.
Do G1RN
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