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sexta-feira, 3 de agosto de 2018

'Corte de bolsas pode enterrar a ciência no Brasil', diz um dos principais cientistas do país

Stevens Rehen, reconhecido na comunidade internacional sobretudo por explicar a relação entre zika e microcefalia, se diz em choque com redução de bolsas da Capes
O neurocientista Stevens Rehen, professor da UFRJ e pesquisador do Instituto D'Or, que coordena laboratório de estudos sobre o cérebro e células-tronco em que trabalham 20 pesquisadores, dos quais 14 são bolsistas - Cinthia Fonseca/Divulgação
Professor do Instituto de Ciências Biomédicas da UFRJ e pesquisador do Instituto D’Or, o neurocientista Stevens Rehen foi um dos líderes da ampla pesquisa que explicou a associação entre o vírus zika e a microcefalia — estudo de importância mundial, publicado em revistas científicas internacionais, e que, como lembra Rehen, colocou o Brasil na dianteira da pesquisa científica.

Nesta quinta-feira, ante a notícia do corte de bolsas pela Capes, o carioca disse estar "em choque".

— Isso pode enterrar a ciência no Brasil — afirma Rehen. — Se uma epidemia de zika acontecesse no início deste ano no Brasil, quando vínhamos de uma série de cortes de investimentos do governo, a ciência brasileira já não poderia responder em tempo recorde, como conseguiu antes. E isso por falta de material, de reagentes, por exemplo. A partir de agora, com essa expectativa de corte massivo de bolsas, não poderíamos responder por falta de pessoas.

Um dos principais cientistas do país, Rehen coordena um laboratório de estudos sobre o cérebro e células-tronco em que trabalham 20 pesquisadores — 14 deles são bolsistas.

— Sem eles, a pesquisa não anda. Eu coordeno o laboratório, mas são eles que realizam os experimentos, entende? A Capes tem uma função estratégica dentro do Ministério da Educação, no que se refere à formação de profissionais. E essa função foi marcante no importante estudo sobre a zika, só para citar um exemplo recente. Mas o governo sofre de uma miopia para enxergar a ciência. Reduzir gastos fazendo corte de pesquisadores é jogar pelo ralo o que temos de mais precioso, milhares de pessoas — completa.

Para Rehen, o impacto é imediato: "afetará a auto estima dos pesquisadores e, em consequência, vai reduzir sua produtividade porque já vão começar a buscar outro trabalho".

— São profissionais superespecializados que ou vão buscar outros empregos ou vão embora para outro país que invista em ciência. Não consigo imaginar um Ministério do Planejamento que joga fora nosso futuro, na educação e na ciência. Esse corte vai paralisar a pós-graduação e, como reflexo, afetar toda a malha de pesquisa científica no Brasil. E o mais desafiador é que não temos voz. A ciência e a política no Brasil são completamente dissociadas.

Rehen repete que está "exaltado diante da gravidade" do anúncio. Afirma que a redução de recursos para a ciência "já se tornou algo previsível, mas o corte completo de bolsas ninguém poderia imaginar".

— Cortam o sonho de um futuro melhor para o país, cortam o sonho de milhares de pessoas dedicadas a esse futuro e matam o sonho de recuperação da crise. O Brasil volta a se posicionar naquele grupo de países subdesenvolvidos, em que não há espaço para a pesquisa científica. No mínimo, metade da força de trabalho da pesquisa brasileira está sendo perdida. Estamos cortando quem de fato executa o trabalho. Por exemplo: eu sou docente, recebo pela universidade, coordeno o laboratório, mas quem faz a pesquisa acontecer é o bolsista. É como ter um time de futebol só com o técnico, entende? Tenho certeza de que pelo menos cem mil pessoas neste momento estão se perguntando: "O que vou fazer da minha vida?"

Fonte: oglobo.globo.com

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